Artigo | Aprendi que o jornalismo é um serviço que vai além de informar

    Em sua despedida da Ponte, Elisa Fontes resume seus quatro anos de passagem pela redação: “É preciso visibilizar as vítimas de nosso sistema de justiça”

    A analista de redes sociais Elisa Fontes, que deixa a Ponte este mês | Foto: Arquivo pessoal

    Quando cheguei na Ponte, em 2020, eu não fazia ideia do tamanho do desafio que seria trabalhar aqui. Na época, ainda uma estudante de jornalismo, eu não tinha experiência como repórter, nem prática em fazer conteúdos para as redes sociais e muito menos em analisar audiência. O que trazia comigo era uma grande vontade de aprender, de trabalhar com o jornalismo de causas e uma inquietude ao ver as injustiças. 

    Depois de um tempo estagiando no Canal Reload, uma iniciativa muito importante de veículos independentes com foco no público jovem, fui entrando aos poucos no dia a dia da Ponte. Lembro que nas primeiras reuniões ficava nervosa só de estar junto com jornalistas que admiro e tentava absorver o máximo de conhecimento que eles passavam. Naquele momento, a Ponte reestruturava a sua equipe e precisou de uma pessoa que ajudasse a administrar as redes sociais.

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    A partir disso, Jessica Santos foi a minha grande parceira nesse desafio, me ensinando mais sobre as redes e pensando nas estratégias para fazer com que as histórias que a Ponte conta chegassem até você, leitor. As redes sociais permitem que a gente esteja mais próximo dos nossos leitores e são também um canal de denúncia. Quantas vezes recebemos pedidos de ajuda em nossa DM, vindos de parentes de presos inocentes ou de vítimas da violência de Estado que se transformaram em reportagens que não seriam publicadas em outros veículos?

    Uma delas se tornou marcante no período em que também passei a escrever essas histórias. Foi por uma mensagem no direct do Instagram, logo no início de 2022, que o caso da prisão injusta de Flávio Silva Santos chegou à Ponte. Sem retorno de veículos da grande imprensa, o irmão Tarcísio Silva Santos nos procurou para denunciar que seu irmão estava preso há dois anos por um crime que não cometeu.

    Após a reportagem, a advogada Débora Nachmanowicz, que analisou o processo, colocou-se à disposição da família e passou a representar a defesa de Flávio. O trabalhador, que passou mais de dois anos preso, foi solto pouco mais de dois meses depois da publicação da nossa reportagem, sendo mais um dos inúmeros casos de impacto do jornalismo da Ponte

    Contar casos como o de Flávio e de tantas outras pessoas que foram vítimas de erros do nosso sistema de justiça ou alvos de um trabalho falho de segurança pública me mostraram a importância do jornalismo independente em jogar luz nesses problemas e visibilizar essas histórias. Para além da redação, meu trabalho passou também o de divulgar esse conteúdo e descomplicar os assuntos que tratamos em threads, carrosséis e vídeos nas redes sociais.

    Leia mais: Reconhecido por foto de Instagram, jovem negro está preso há dois meses

    Quatro anos depois, posso dizer que a Ponte me moldou como profissional, e mais do que isso, me fez entender na prática qual é o papel de um jornalista no mundo e como devemos encarar essa profissão. Aqui, pude crescer como analista de mídias sociais e entender que o jornalismo é um serviço que vai além de informar e pode também transformar a realidade ao nosso redor. E é com essa imensa bagagem e gratidão que me despeço da Ponte esta semana.

    Não foi uma decisão fácil. Não é fácil deixar aquilo que a gente gosta e com que se identifica. Não é fácil deixar aquilo que me abriu tantas portas para que eu chegasse até aqui. Mas, ao mesmo tempo, a minha decisão vem com um sentimento de dever cumprido. Foram anos de aprendizado, com diversas oportunidades e um trabalho dedicado à luta pelos direitos humanos e pelo jornalismo em que acredito.

    Tenho muito orgulho de ter trabalhado com uma equipe tão comprometida e talentosa e tenho a honra de poder contar que comecei a minha trajetória no jornalismo aqui. A vida agora me chama para novos desafios e acredito que esse é só o começo.

    Deixo aqui meu agradecimento ao Fausto Salvadori, ao Antonio Junião e à Maria Elisa Muntaner pela confiança, às repórteres Jeniffer Mendonça e Catarina Duarte, e ao editor Ivan Marsiglia, que me inspiram, à minha parceira Jessica Santos, por sempre ter me orientado tão bem, ao Daniel Arroyo, pelas parcerias de conteúdo, e a todos os outros profissionais que fizeram parte desse time. 

    E também agradeço a você, que seguiu acompanhando e apoiando o nosso trabalho ao longo desses 10 anos, seja lendo matérias, se engajando nos posts, sugerindo pautas ou sendo membro do Tamo Junto. Que a Ponte siga formando novos profissionais e que nossos caminhos ainda se cruzem por aí.

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