Aprovação da reforma da previdência em SP tem protesto e repressão da PM

    PM usou bombas e bala de borracha no plenário da Assembleia Legislativa de SP; manifestantes impedidos de entrar na votação lançaram pedras e polícia revidou

    Dezenas de bombas foram lançadas contra os manifestantes dentro e fora da Assembleia Legislativa de SP | Foto: Caê Vasconcelos/Ponte Jornalismo

    A votação da reforma da previdência estadual na Assembleia Legislativa de SP, na zona sul de São Paulo, teve protesto de servidores públicos, tropa de Choque da PM e bombas e balas de borracha no plenário nesta terça-feira (3/3).

    O texto da reforma elaborado pelo governo de João Doria (PSDB) foi aprovado por 59 votos, mas a votação de pelo menos três emendas foi aberta, aumentando a tensão entre parlamentares, servidores, em sua maioria professores da rede estadual, e a Polícia Militar.

    Dentre as principais mudanças, estão o aumento da contribuição de 11% para 14% e a mudança na idade mínima de aposentadoria: 62 anos para mulheres e 65 para homens. Os policiais militares não entraram na reforma.

    A Bacana Ativista divulgou em suas redes sociais que, por volta das 14h, recolheram de dentro do plenário 40 bombas vencidas em 2015 e 100 balas de borracha. “É uma guerra contra professores, trabalhadores da saúde e da segurança pública”, está escrito em post do mandato, com imagem da codeputada Monica Seixas segurando uma das bombas.

    Deputada Monica Seixas segura bombas vencidas | Foto: reprodução/Twitter

    A Ponte apurou que o fato de as bombas estarem vencidas, no grosso modo, não altera a toxidade ou a torna “mais forte”. Pelo contrário, a pólvora envelhecida pode até deixar o artefato com menor potencial. Contudo, usar bombas fora do prazo de validade não deveria acontecer, até porque estamos falando de produtos químicos que podem se comportar de forma imprevisível. O mais grave no episódio foi o fato de a PM ter lançado bombas e gás em local fechado, procedimento que só poderia ser usado em um caso de extrema exceção.

    A reportagem recebeu imagens de servidores feridos dentro da Alesp, quando tentaram forçar a entrada no plenário. “Está cheio de gás de pimenta dentro de uma Casa democrática. É inadmissível. É uma vergonha impedirem uma manifestação. É o cerceamento do direito à manifestação o que está acontecendo aqui”, declarou, durante a ação policial, no microfone da tribuna, a deputada estadual Beth Sahão (PT).

    Gabinete da deputada Beth Sahão enviou à Ponte imagens de feridos dentro da Alesp | Foto: divulgação

    O governador João Doria (PSDB) comemorou o resultado da votação em seu Twitter. Doria também criticou os servidores. ” Não posso deixar de registrar meu repúdio aos atos de vandalismo presenciados durante a votação, dentro e fora da Alesp. Depredação do patrimônio público, intimidação aos parlamentares, agressão a policiais e desrespeito à democracia”, disse o governador.

    Do lado de fora, manifestantes impedidos de entrar na Assembleia também protestaram e ocuparam a avenida Pedro Alvares Cabral, em frente ao turístico Parque do Ibirapuera, que ficou repleto de gás lacrimogêneo na manhã desta terça-feira. Revoltados, alguns manifestantes lançaram pedras contra a tropa, que reagiu. Também removeram placas de ferro que impediam o acesso à Alesp.

    Convocação para o protesto deste terça-feira contra a reforma da previdência estadual | Foto: Caê Vasconcelos/Ponte Jornalismo

    A repressão durou quase três horas. Muitas bombas e balas de borracha eram lançadas contra os manifestantes, que em sua maioria professores da rede estadual, mesmo quando as pedras cessaram.

    No carro de som, era possível ouvir discursos e gritos de resistência. Os manifestantes usaram pedaços de grades de segurança para se defender dos tiros e das bombas.

    Manifestantes usaram as grades de ferro para se proteger; alguns jogaram pedras contra a tropa da PM | Foto: Caê Vasconcelos/Ponte Jornalismo

    A professora Poliana do Nascimento, 47 anos, que é da subsede da Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) – litoral sul, conta que acordou de madrugada para acompanhar a votação.

    “Hoje é um momento de reflexão porque a gente perdeu a votação, perdemos grande parte dos nossos direitos, especialmente com relação à aposentadoria”, afirmou.

    Foto: arquivo pessoal

    “A votação foi um circo de horrores, teve muita agressão física, teve professor baleado, desmaiado. E aqui fora não foi diferente. Estávamos pacíficos e a PM começou a agredir. Eu mesma recebi duas bombas de gás na minha direção eu quase desmaiei. Nunca passei por isso”, lamenta.

    Professora há 17 anos, Poliana afirma que educar é gratificante. “Só que é difícil a educação pública. A gente não tem material, é só lousa e giz. Eles querem mais, claro. E só temos giz e nossa voz”, conclui.

    Foto: Caê Vasconcelos/Ponte Jornalismo

    Professor há 8 anos, Carlos Rodrigues, 51, afirma que vive um dia triste, mas que, ao mesmo tempo, demonstrou a resistência da categoria. “Os professores não têm sangue de barata. É uma pena que nem todos vieram, para termos mais pressão e quem sabe então conseguiríamos impedir o desfecho disso tudo que foi a aprovação da reforma”, lamentou.

    Carlos Rodrigues, 51 anos, leciona há 8: “Reforma prova que governo desvaloriza professores” | Foto: Caê Vasconcelos/Ponte Jornalismo

    Para ele, o projeto é o retrato da desvalorização do poder público para com os professores. “O professor se tornou um cuidador e não mais uma educador. As escolas se tornaram um depósito de seres humanos. A gente precisa pensar em proposta de educação, que tenha projeto de futuro para esses jovens, que estão desestimulados e veem com desdém o momento em que estão ali”, explica.

    O policial civil Abidael Ambrustel, 45, integrante dos coletivos Policiais Antifascistas e Evangélicos de Esquerda, disse à Ponte que a votação representa uma derrota geral.

    Abidael Ambrustel é integrante dos coletivos Policiais Antifascistas e Evangélicos de Esquerda | Foto: Caê Vasconcelos/Ponte Jornalismo

    “Nós, policiais que temos consciência de classe enquanto trabalhador, sabemos que isso é um achatamento de direitos. Alguns estão lá dentro batalhando pelos nossos direitos. Foi a tropa de Choque contra os professores, os enfermeiros, os médicos e os outros policiais. Esse retrocesso vai acabar atingindo os nossos filhos”, aponta.

    Foto: Caê Vasconcelos/Ponte Jornalismo

    Gabriel Sampaio, coordenador do programa de Enfrentamento à Violência Institucional da ONG Conectas Direitos Humanos, que esteve na frente da Alesp nesta terça, critica a ação da Tropa de Choque.

    “O que fica evidente é que o tipo de conflito que aconteceu foi político e social, que envolveu uma agenda legislativa. A Tropa de Choque como mediadora desse conflito não é adequado. O adequado é que o conflito seja tratado como um conflito político, em que o espaço da democracia seja respeitado. Outras formas de mediação precisam ser adotadas. Essa polícia não é a mediadora adequada”, aponta Sampaio.

    Tropa de Choque ficou na entrada da Alesp, na Avenida Pedro Alvares Cabral, até as 15h30 | Foto: Caê Vasconcelos/Ponte Jornalismo

    Ele narra a repressão que vivenciou. “Eu cheguei quando a tropa de Choque já havia fechado a Alesp, tinha poucas pessoas em frente. Começaram a ser jogadas algumas bombas de gás contra esses manifestantes. O tempo que estou aqui o lançamento das bombas foram aumentando”.

    Outro lado

    A Ponte questionou a Secretaria de Segurança Pública de SP e a PM sobre a ação policial na Alesp, mas, até o fechamento da reportagem, não havia retorno.

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