‘Aqui é Bolsonaro’: policial mata guarda que fazia festa com temática petista no PR

Segundo testemunhas, policial penal José Jorge Guaranho gritou frases de apoio ao presidente enquando invadia festa de aniversário de Marcelo Arruda, liderança do PT em Foz do Iguaçu

Marcelo Arruda (à esquerda), no aniversário de 50 anos; ao lado, postagem de José Jorge Guaranho nas redes sociais | Fotos: reprodução/Facebook

O guarda municipal e liderança do PT Marcelo Aloizio de Arruda foi morto, na noite deste sábado (9/7), enquanto comemorava seu aniversário de 50 anos em Foz do Iguaçu, no Paraná. Ele foi baleado pelo policial penal federal Jorge José da Rocha Guaranho, 38. Mesmo ferido, segundo testemunhas, Marcelo reagiu e também atirou no policial.

A Secretaria da Segurança Pública do Paraná chegou a afirmar, por meio de nota, que “ambos entraram em óbito”, mas no final da tarde deste domingo voltou atrás e disse que Jorge está vivo, internado “em estado grave”.

De acordo com relato no Facebook do empresário Andre Roberto Alliana, amigo de Marcelo, a celebração contava com ao menos 40 convidados, entre familiares e amigos, na sede da Associação Recreativa Esportiva Segurança Física de Itaipu (Aresfi) e tinha como temática o Partido dos Trabalhadores e figura do ex-presidente Lula. “Tudo ia muito bem até a festa ser invadida por um desconhecido gritando Bolsonaro, Mito, etc.”, escreveu.

No boletim de ocorrência da Polícia Civil, todas as testemunhas ouvidas contaram que Jorge não era convidado, nem conhecido de ninguém da festa. O policial chegou ao local num automóvel Hyundai Creta, junto com a esposa e “uma criança de colo”, filha do casal. Ele desceu do carro segurando sua arma da corporação, uma pistola .40, e gritando: “Aqui é Bolsonaro!”. Em seguida, foi embora. Segundo o relato de Andre, antes de partir o policial disse que “voltaria para matar todo mundo”.

“Ninguém deu muito bola”, segundo Andre, mas Marcelo disse “vai que esse maluco volta, por via das dúvidas vou pegar minha arma no carro”. Vinte minutos depois, no estacionamento, Marcelo deu de cara com o policial bolsonarista, que havia retornado ao local, agora sozinho, mas novamente com a arma na mão. Conforme o boletim de ocorrência, a esposa de Marcelo, que é policial civil, mostrou o distintivo e se identificou, ao mesmo tempo em que o guarda sacou sua arma, uma pistola .380 da Guarda Civil Municipal, para tentar fazer o policial recuar.

Jorge acertou dois tiros em Marcelo. Mesmo ferido, o guarda reagiu e atingiu o policial com outros três disparos, “conseguindo balear o agressor que tinha voltado provavelmente pra fazer uma chacina”, segundo Andre.

A Prefeitura de Foz do Iguaçu lamentou a morte de Marcelo, que trabalhava há 28 anos na corporação, era diretor da executiva do Sindicato dos Servidores Municipais de Foz do Iguaçu (Sismufi) e deixou esposa e quatro filhos. “Agradecemos ao Marcelo Arruda por toda a sua dedicação e comprometimento com o Município, o qual nestes 28 anos de funcionalismo público defendeu bravamente, tanto atuando na segurança como na defesa dos servidores municipais”, disse em nota o prefeito Chico Brasileiro (PSD). “Desejamos à família, aos amigos e colegas de Marcelo força neste momento de dor”, complementou.

O guarda municipal era militante do PT e disputou o cargo de vice-prefeito da cidade durante as eleições de 2020. Também era “um dos membros mais antigos” do Movimento Policiais Antifascismo do Paraná, segundo nota do grupo, que lamentou a violência entre os dois agentes públicos: “Que esta tragédia, onde dois agentes públicos de forças policiais que deveriam trabalhar unidas, em defesa da vida, ferem-se de morte, traz reflexões muito pertinentes no atual momento político.  Por isto, também lamentamos, que no ato de sua defesa pessoal, Marcelo tenha  ferido de morte seu agressor”.

A presidenta nacional do PT, Gleisi Hoffmann, e o coordenador nacional do setorial de segurança pública do partido, Abdael Ambruster, publicaram nota conjunta em que classificaram o assassinato como “violência bolsonarista” proveniente de “um discurso de ódio e perigosamente armados pela política oficial do atual Presidente da República, que estimula cotidianamente o enfrentamento, o conflito, o ataque a adversários, quaisquer pessoas ensandecidas por esse projeto de morte e destruição vêm se transformando em agressores ou assassinos”. Também cobraram as autoridades para que “coíbam firmemente toda e qualquer situação que alimente um clima de disputa violenta fora dos marcos da democracia e da civilidade”.

O ex-presidente Lula e pré-candidato ao pleito de 2022 também lamentou a morte de Marcelo pelo Twitter. “Duas famílias perderam seus pais. Filhos ficaram órfãos, inclusive os do agressor. Meus sentimentos e solidariedade aos familiares, amigos e companheiros de Marcelo Arruda”, escreveu. E também pediu “compreensão e solidariedade com os familiares de José da Rocha Guaranho, que perderam um pai e um marido para um discurso de ódio estimulado por um presidente irresponsável”.

Um integrante da direção da Aresfi disse à Ponte, por telefone, que o espaço apenas tinha sido alugado para a realização da festa e que imagens de câmera de segurança foram entregues à Polícia Civil. Procurada, a assessoria da Polícia Civil do Paraná disse que a Delegacia de Homicídios está apurando o caso e a motivação do crime. “Imagens estão sendo analisadas e testemunhas sendo ouvidas. A Polícia Científica está atuando no procedimento pericial que auxiliará para que os fatos sejam esclarecidos e o Inquérito Policial relatado e encaminhado à justiça”, afirmou em nota.

No Facebook, Jorge José conta que se tornou pai em maio deste ano e alterna imagens do bebê com postagens de apoio ao presidente Jair Bolsonaro (PL). De acordo com o Diário Oficial da União, ele foi admitido no Departamento Penitenciário Nacional (Depen), vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, em 2016. A reportagem tentou localizar familiares dele e de Marcelo pelas redes sociais, mas não teve resposta até a publicação.

Procurada, a assessoria do Depen disse em nota que “o caso está sendo investigado pelas autoridades competentes locais em razão de suas circunstâncias e que se solidariza com os familiares e amigos dos envolvidos.”

(*) Atualizado às 17h45 para retificar a informação, passada pela Secretaria da Segurança Pública do Paraná, de que José Jorge Guaranho teria morrido, e para acrescentar a nota dos Policiais Antifascismo.

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