Área de batalhão que atuou no Massacre de Paraisópolis lidera mortes pela polícia

Levantamento da Unifesp aponta 337 mortes na região do 16º BPM/M, que compreende bairros da capital paulista como Morumbi e Vila Andrade, nos últimos 10 anos; polícia mata mais em zonas de favelas, diz pesquisadora

Performance durante protesto que lembrou um ano do Massacre de Paraisópolis, em dezembro de 2020 | Foto: Sergio Silva/Ponte Jornalismo

As mortes de uma criança de 10 anos, em 2016, e de nove jovens após dispersão de um baile funk, em 2019, estão no currículo da área do 16º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano (BPM/M), que é considerada a região com maior índice de violência policial na cidade de São Paulo, segundo levantamento produzido pelo Centro de Antropologia e Arqueologia Forense, da Universidade Federal de São Paulo (Caaf/Unifesp), divulgado nesta sexta-feira (28/6).

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Essa área concentra bairros como Vila Andrade, Campo Limpo, Vila Sônia, Morumbi e Paraisópolis, por exemplo, na zona sul da capital paulista. Foram 337 mortes praticadas pela polícia nessa região, o que representa 9,9% das 3.390 vítimas de vioência policial contabilizadas na cidade entre 2013 e 2023 a partir dos dados de boletins de ocorrência divulgados pela Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP).

Isso não significa que todas as mortes tenham sido cometidas por policiais pertencentes ao 16º BPM/M, uma vez que a secretaria não divulga os dados com a identificação do batalhão. Por isso, as pesquisadoras confrontaram os endereços das ocorrências com as áreas de atuação dos batalhões.

A partir da comparação, o levantamento identificou que mesmo o batalhão sendo responsável por bairros ricos, como o Morumbi, a prevalência da mortes se deu nas regiões mais empobrecidas, como Vila Andrade, Campo Limpo e Paraisópolis. “É uma área de expansão da cidade, de expansão das classes dominantes, socioeconomicamente e politicamente, onde tem uma disputa pelo território, com atores que estão disputando esse território e que estão em posições de desigualdade de poder econômico e de poder político”, explica Desiree Azevedo, antropóloga e coordenadora da pesquisa. “É uma área com índices de população preta e parda alta, especialmente índices altíssimos de população vivendo em favelas”.

Um dos casos mais emblemáticos foi do menino Ítalo Ferreira de Jesus Siqueira, morto aos 10 anos em junho de 2016 após furtar um carro na região do Morumbi. Em 2023, o Tribunal de Justiça de São Paulo determinou que o policial que atirou na criança seja levado a júri popular, o que ainda não ocorreu.

As pesquisadoras não conseguiram identificar as ocorrências de batalhões especiais, que têm abrangência territorial maior, como os Batalhões de Ações Especiais de Polícia (Baep), ou até estadual, como a Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota). Se essas forças fossem consideradas, o 16º BPM/M estaria na segunda posição como batalhão mais letal, atrás apenas da Rota, como a Ponte mostrou em fevereiro a partir das informações levantadas pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP).

Essa diferença de fonte e até mesmo como o registro é feito é um ponto de questionamento tanto pelo Caaf quanto por familiares de vítimas. “É assustador saber que meu filho morreu na região mais letal e não foi reconhecido pela estatística”, lamenta Maria Cristina Quirino, que é pesquisadora e integrante do Movimento de Familiares das Vítimas do Massacre em Paraisópolis.

Ela é mãe do adolescente Denys Henrique, 16, um dos nove jovens que morreram após a dispersão de um baile funk pela PM na comunidade, em 2019, episódio conhecido como Massacre de Paraisópolis. A estatística que Quirino menciona é o fato de as mortes terem sido registradas pela Polícia Civil como “morte suspeita” e não por intervenção policial.

Mesmo se houver condenação de policiais, por exemplo, esse registro inicial não é alterado nos dados oficiais. Para a antropóloga, esse é um mecanismo de se legitimar e justificar a atuação policial antes de qualquer apuração, especialmente em regiões de favelas.

Só após dois anos do massacre, o MP-SP denunciou 13 dos 31 policiais que participaram da ação: um foi acusado de explosão pelo uso de bombas e outros 12 por homicídio por dolo eventual (quando se assume o risco de matar). Nesta sexta-feira (28), está marcada a quarta audiência do caso, com a previsão de se ouvir 24 testemunhas, sendo duas da acusação e o restante da defesa. Os réus ainda não foram ouvidos e só após essa fase o Tribunal de Justiça deve decidir se os PMs serão levados a júri popular.

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“A minha cabeça está a milhão porque os outros policiais que deveriam estar no banco dos réus vão ser ouvidos como testemunhas”, critica Quirino. “O Marcelo Vieira Salles, que autorizou a Operação Saturação, deveria estar no banco dos réus porque ele autorizou que a polícia entrasse na comunidade para fazer o que fez, mas vai lá para ser testemunha de defesa. É a hierarquia para defender seus subalternos.”

Ela se refere ao então comandante-geral da PM em 2019, hoje vereador da capital pelo PSD, que não queria o afastamento dos policiais. O desgaste após o episódio fez o coronel entregar o cargo três meses depois, em março de 2020.

Nesta quinta-feira (27), o jornal Folha de S. Paulo revelou que um dos réus, o sargento Gabriel Luís Oliveira, foi gravado dizendo que comemora mortes fumando charuto e bebendo cerveja em um vídeo gravado por um youtuber estadunidense no início do mês.

Para Desiree, o discurso transparece o pensamento institucional da corporação e aponta que a ideia do mapeamento surgiu para entender justamente o cenário que culminou no massacre. “A gente está julgando o Gabriel e mais onze pessoas que individualmente participaram disso [do massacre]. Só que essas pessoas não estão agindo por conta própria”, afirma.

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“Elas fazem parte de uma corporação, elas fazem parte do Estado e elas estão agindo conforme determinadas instruções”, prossegue. “Não só instruções táticas, não só instruções de um trabalho dito técnico da polícia, mas dentro de determinadas instruções políticas que reduz toda uma comunidade, toda uma população, todo um universo, todo um mundo social que existe dentro de São Paulo à atuação de uma organização criminosa que também, recentemente, e milhares de pesquisas têm mostrado, está se carterizando, tem negócios na prefeitura e tem negócios no espaço da legalidade também, onde lava o seu dinheiro.”

A pesquisadora sustenta que um primeiro passo para reverter esse cenário é a produção de evidências, a começar pela inclusão dos batalhões nas estatísticas da SSP. “É preciso conectar determinadas discussões, conectar a discussão da segurança pública, conectar essa discussão da letalidade do 16º Batalhão e de outros batalhões com uma discussão mais ampla sobre desigualdade social na cidade, sobre mercado financeiro, sobre urbanização, sobre propriedade”, diz.

O que dizem as autoridades

A Ponte questionou a Secretaria de Segurança Pública sobre o levantamento, a indicação de batalhões nos registros e o comportamento do sargento Gabriel Luís. A Fator F, assessoria terceirizada da pasta, enviou a seguinte nota:

Os casos de Morte Decorrente de Intervenção Policial (MDIP) registraram queda na capital e Região Metropolitana de São Paulo, segundo o próprio estudo citado pela reportagem. As reduções no período foram de 34,21% na Capital e 34,71% na RMSP. O resultado é fruto do investimento contínuo da Instituição na capacitação dos agentes, aquisição de equipamentos de menor potencial ofensivo, e em políticas públicas para reduzir a letalidade policial.

Por determinação da própria SSP, os casos dessa natureza são rigorosamente investigados pelas polícias Civil e Militar, com o acompanhamento das respectivas corregedorias, pelo Ministério Público e Poder Judiciário. Todas as ocorrências de MDIP, incluindo as do 16º BPM/M, são analisadas pela Instituição para avaliar a dinâmica dos fatos e a conduta dos policiais. Se constatada qualquer irregularidade, os envolvidos são responsabilizados nos termos da lei. A PM conta com procedimentos operacionais rigorosos e não compactua com excessos ou desvios de conduta de seus agentes.

Também procuramos o Ministério Público de São Paulo, que é responsável pelo controle externo da atividade policial. A assessoria do órgão enviou a seguinte nota:

O MP-SP informa que acompanha os indicadores da atuação da Polícia Militar em todas as regiões do Estado, tomando as medidas cabíveis que cada situação exige.

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