Questionado pela reportagem, Governo de SP negou ter conseguido recuperar armas, mas uma delas foi apreendida neste ano com um investigado sob suspeita de assassinar policial
Furtada da reserva de armas da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), suposta tropa de elite da Polícia Militar de São Paulo, a pistola .40, nº de série SDM11558, comprada pelo governo paulista da empresa Forja Taurus por R$ 1.901,00, foi a mesma arma usada para assassinar um integrante da própria PM: o soldado Genivaldo Carvalho Ferreira, de 44 anos.
A ligação entre a morte do soldado Ferreira e o furto das 31 pistolas .40 da Rota foi mantida em sigilo pelas autoridades. Questionado pela reportagem ao longo do mês de outubro, o Governo de São Paulo afirmou que nenhuma das armas havia sido recuperada pelas forças de segurança. O secretário da Segurança Pública da gestão de Geraldo Alckmin (PSDB), Fernando Grella Vieira, e o Comando-Geral da PM foram procurados para falar sobre as pistolas, mas não se manifestaram.
O mistério entre a morte do soldado Ferreira e o sumiço das 31 pistolas .40 da Rota foi descoberto quase que por acaso, quando um dos 4 suspeitos de participação da morte do policial militar foi preso pelo DHPP (departamento de homicídios), da Polícia Civil, e pela Corregedoria (órgão fiscalizador) da PM.
Há 1 mês, um dos armeiros da Rota, o soldado Emerson Washington Gomes, foi julgado pelo TJM (Tribunal de Justiça Militar) sob a acusação de envolvimento no furto das 31 pistolas .40. Ele acabou absolvido pelo crime, mas foi condenado a 6 anos de prisão por assumir ter duplicado a numeração de 2 pistolas.
A pistola .40 SDM11558 foi apreendida em janeiro deste ano, segundo DHPP e Corregedoria da PM, quando Alan Santos dos Prazeres, suspeito de participação na morte do soldado Ferreira, foi localizado e preso em sua casa, no bairro de Paraisópolis (zona sul de São Paulo).
Desconfiados de que a pistola .40 era da PM, mas sem saber que seria uma das 31 furtadas da Rota, já que ela estava com a numeração raspada, os policiais do DHPP pediram auxílio do Centro de Suprimentos e Manutenção e Munições da PM e conseguiram confirmar ser a nº SDM11558, uma das desaparecidas. O exame balístico feito pela Polícia Técnico-Científica também comprovou ter sido a mesma arma usada para atirar contra a cabeça do soldado Ferreira.
Durante seis dias (16 a 21 de março de 2013), o carro do soldado Ferreira, um Fiat Doblô, ficou estacionado na rua Luciano Silva, bairro do Campo Limpo (zona sul de São Paulo), sem que ninguém notasse que no porta-malas havia um corpo. Somente após uma moradora sentir o forte odor que vinha do veículo é que a PM foi chamada e encontrou a vítima, algemada e baleada na cabeça.
A farda, o boné e os documentos do soldado, que desapareceu quando estava de folga, também estavam dentro do veículo.
Desde a morte do soldado Ferreira, o DHPP e a Corregedoria da PM tentavam localizar os dois homens que chegaram à rua Luciano Silva no carro do policial, escoltados por mais dois suspeitos em uma motocicleta, e fugiram após abandonar o veículo.
A partir da análise das imagens das câmeras de segurança na área onde o carro do PM foi abandonado com seu corpo, os investigadores chegaram até Alan dos Prazeres e outros três suspeitos investigados pelo assassinato do soldado. Dois deles também estão presos Leandro Bomfim Santos e Everaldo Severino da Silva Felix. Everton Guimarães Mayer é considerado foragido da Justiça.
Os três presos negam participação no crime. Alan dos Prazeres também afirmou em depoimento que a pistola .40, furtada da Rota, não foi encontrada em sua casa.
Pistolas foram negociadas por R$ 4 mil nas ruas de São Paulo
O furto das 31 pistolas .40 da Rota começou a ser investigado oficialmente em setembro de 2013, um mês após técnicos da fornecedora de armamentos Forja Taurus terem ido ao quartel general da Rota, no bairro da Luz, região central de São Paulo, para fazer o recall das armas, entre 19 e 23 de agosto. Segundo os PMs, elas disparavam sozinhas e precisavam de reparos.
Ao promoverem o inventário do armamento, em setembro de 2013, dois oficiais responsáveis pela reserva de armas da Rota descobriram o sumiço das 31 pistolas .40 e o soldado Emerson Washington Gomes, 38 anos, 19 deles na PM e auxiliar de armeiro, passou a ser investigado sob suspeita de envolvimento no furto.
Durante a investigação da Corregedoria da PM, a vida do soldado Emerson foi devassada pelos P2, como são chamados os policiais militares que trabalham à paisana, que investigam outros policiais e também civis suspeitos de crimes contra PMs.
Zarelho
Com ordem da Justiça, os sigilos telefônico e bancário do soldado foram quebrados, mas nenhuma movimentação financeira foi detectada. A Corregedoria também investigou amigos, parentes e moradores do bairro de Perus (zona oeste de São Paulo), onde o soldado Emerson vivia até 21 de outubro de 2013, quando foi preso sob suspeita de furtar as armas da Rota.
Ao percorrer o bairro de Perus, a Corregedoria descobriu que um ex-cunhado do PM Emerson tinha oferecido aos comerciantes do bairro a venda de pistolas .40, por R$ 4.000 cada, mas nenhuma negociação chegou a ser comprovada pelos P2.
Um morador de Perus localizado pela Corregedoria chegou a dizer ter visto a pistola oferecida pelo ex-cunhado Emerson, mas que percebeu “ser um B.O.” (um problema) comprá-la por que ela tinha zarelho, a alça metálica usada para fixar a bandoleira, uma tira que prende a arma ao corpo do policial.
Em novembro de 2013, ao julgar pedido de liberdade para o soldado Emerson, o juiz militar Luiz Alberto Moro Cavalcante justificou sua decisão em manter o armeiro da Rota preso: “Visto o fundado perigo oferecido por armas fora das corporações, retiradas por descuido ou fundada intenção em compactuar com a ação criminosa nas ruas da cidade. Armamentos destinados à segurança social são desviados em prol de objetivo contrário, passando a pertencer àqueles criminosos, os quais, em tese, deveriam ser alvo da ação repressora da Polícia Militar”
Foi um profecia do juiz. Dois meses depois, uma das pistolas da Rota foi usada na morte do também soldado Genivaldo Carvalho Ferreira.
Julgado em 25 de setembro deste ano por um juiz togado e quatro oficiais da PM que compõe a 4ª Auditoria Militar, do TJM (Tribunal de Justiça Militar), o soldado Emerson foi absolvido das 31 acusações de furto das armas da Rota, mas acabou condenado a seis anos de prisão por ter duplicado a numeração de duas pistolas, uma delas entre as desaparecidas. O soldado Emerson sempre negou ter ligação com o sumiço das pistolas.
Defesa de ex-armeiro da Rota alega falta de provas
Defensor do soldado Emerson Washington Gomes, o advogado Paulo Cesar Pinto recorreu da condenação contra o policial e alegou não existir provas de que ele tenha furtado armas do arsenal da Rota.
“O apelante [soldado Emerson] foi condenado pela subtração da arma SEZ10273, da reserva de armas da Rota, usando fraude em procedimento de auditoria, duplicidade de decalque, para camuflar esse furto. A condenação ocorreu sem respaldo do acervo probatório, que apontou outras possibilidades para a duplicação do decalque”, argumentou o defensor do policial.
Ao listar alguns pontos que considerou relevante para mostrar que o soldado Emerson sempre teve “excepcional comportamento” dentro da PM, o defensor do PM preso escreveu: “o apelante [PM Emerson] é soldado exemplar, com 19 anos de serviços prestados à Polícia Militar, estando no excepcional comportamento, alvo de elogios por todas as unidades que passou, tendo sido motorista do sr. subcomandante-geral e do sr. Chefe do Estado Maior”
Ainda segundo o defensor do soldado Emerson, a arma SEZ10273 teve última movimentação em agosto, mês em que o policial estava afastado, em licença prêmio.
Para o advogado, caso a condenação do soldado Emerson seja mantida, “o poder judiciário estará sendo usado para manobras espúrias de pessoas desonestas que forjaram uma prova contra o apelante para esquivar-se da responsabilidade, o que é abominável e fere a dignidade da própria Justiça”
“Pode-se até admitir que indícios existem contra ele [soldado Emerson], já que a assinatura dele está contida no campo duplicado, contudo, indício há igualmente contra todos que ali trabalhavam à época, porém, o que paira na mente de qualquer cidadão honrado e consciente é a dúvida…in dubio pro reu”, finaliza o advogado, no recurso contra a condenação do armeiro da Rota.