Artigo | A guerra às drogas é uma guerra à periferia

    Genocídio e encarceramento em massa seguem em curso no país sem qualquer eficácia na redução da circulação de armas e drogas. Como diz uma moradora da favela do Siri, em Florianópolis (SC): “Isso não é pela droga, é para exterminar”

    Ilustração: Antonio Junião/Ponte Jornalismo

    Na guerra às drogas que se supõe que as polícias travam há décadas milhares foram mortos, outros milhares encarcerados. Mas qual foi o resultado? Há menos droga circulando? Há menos armamento ilegal na mão de facções? Você sabe a resposta dessa pergunta, caro leitor. 

    Ao longo de todo esse tempo, os investimentos em policiamento ostensivo e segurança pública só cresceram, sem que tivéssemos resultados visíveis: continuamos inseguros, as facções ampliaram seus negócios e armas ilegais circulam mais livremente por aí. 

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    Uma moradora da favela do Siri, em Florianópolis, disse uma das frases mais assertivas que já li sobre o tema: “Só que isso não é pela droga, é para exterminar. Aqui no Norte da ilha só tem uma entrada: como que a gente passa sufoco na temporada [de verão] com o fluxo de carro, tudo trancado, um caos, e eles não conseguem controlar a droga que entra?”. No território, há o medo e a revolta: no último final de semana, a PM-SC fez a terceira execução em menos de três anos. Natanael França de Assis tirava uma selfie para a namorada quando foi morto por policiais. Como é de praxe, a alegação foi de confronto. A polícia não fez nenhuma apreensão de drogas ou armas com o rapaz de 19 anos. 

    Em Piracicaba, interior de SP, Gabriel Junior Oliveira Alves da Silva morreu ao defender a esposa grávida de 8 meses de uma agressão policial. Não foi encontrado nem arma nem drogas com ele. Na delegacia, os PMs alegaram que abordaram Gabriel por ter um volume suspeito e que atiraram em legítima defesa porque o jovem os teria ameaçado com… uma pedra ao ver um dos policiais puxando o cabelo da esposa. Só que um laudo obtido em primeira mão pela Ponte provou que o disparo foi por trás, perto da nuca. 

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    Ambos os casos aconteceram em bairros nos quais políticas públicas são raridades ou mesmo nulidades. Afinal, temos estados, como São Paulo, que investem mais na secretaria de segurança pública (R$ 20 bilhões, sendo R$ 12 bilhões para a PM) do que em desenvolvimento econômico (R$ 376 milhões), cultura (R$ 1,4 bilhão), esportes (R$ 419 mi), habitação (R$ 3 bi), agricultura (R$ 1 bi), turismo (R$ 734 mi), políticas para mulher (R$ 36 mi) e para as pessoas com deficiência (R$ 72 mi), meio ambiente e infraestrutura (R$ 10,9 bi). Todos esses valores somados ficam abaixo do orçamento da SSP. 

    Os números foram levantados pelo Instituto Direito à Memória e Justiça Racial (IDMJR) no estudo Dossiê Orçamentário que avaliou as propostas orçamentárias dos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Serão R$ 42 bilhões somados desses três Estados destinados a uma guerra onde quem está perdendo é a população preta e favelada deste país e quem ganha é o tráfico e os políticos que assanham uma base política ao defender a morte como prática de segurança pública. 

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    É um conflito em que o inimigo são corpos elimináveis, meros “CPFs” e não importa se não tinham drogas, nem armas, nem ligação com o crime. Afinal, como tem muita gente que pensa, se a polícia parou, abordou e matou é porque alguma coisa a pessoa fez. 

    Qual é a prioridade deste país? Investir em saúde, educação, habitação, qualidade de vida ou meter polícias tresloucadas nas periferias, favelas, tribos e quilombos do Brasil? Os números falam melhor do que eu sobre qual é a perspectiva dos nossos governos, independentemente do lado político. A lógica adotada para segurança pública é a da guerra, uma que se “luta” há tanto tempo, mas que o resultado é gente preta morta ou na cadeia.

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