Artigo | A militarização da GCM já é uma realidade

    Atendendo a uma demanda eleitoreira por segurança, prefeitos transformam suas guardas civis em tropas ‘padrão Rota’ — com racismo e truculência de sempre. O caso Geovanna, que perdeu um olho ao levar um tiro de bala de borracha na porta de casa em Osasco (SP), é só um deles

    Geovana no local onde foi atingida; o ação da GCM lhe custou um olho mas a indenização nunca chegou. | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    Como demonstramos semana passada com o especial que analisou as propostas dos candidatos a prefeitura de São Paulo, a segurança pública tem sido tema recorrente nesta eleição e o papel da GCM (Guarda Civil Metropolitana) é central nesse debate. De olho em dividendos eleitorais, candidatos a prefeito querem as guardas mais armadas e exercendo função de polícia — pouco importa qual seja a definição constitucional da corporação e como ela deve atuar. 

    Esta semana, a Ponte publicou uma série de reportagens analisando o papel atual das GCMs e sua recente letalidade — problema sempre apontado nas Polícias Militares e que passa a ser também uma questão das guardas municipais. Quando a Constituição Federal de 1988 as instituiu a intenção era de que sua atuação nas cidades fosse destinada “à proteção de seus bens, serviços e instalações”. 

    Passados 36 anos da promulgação da Carta, vemos guardas cada vez mais parecidos com os PMs tanto em sua ostensividade quanto em sua estrutura de uniformes e veículos camuflados no “padrão Rota”, características que são vedadas pelo Estatuto Geral das Guardas Municipais

    Leia mais: O guarda virou caveira: como a GCM se militarizou para exercer papel de polícia

    Para ilustrar as consequências desse desvio de finalidade, a Ponte reencontrou Joab e Geovanna, pai e filha vítimas da ROMU, o grupamento “de elite” da GCM de Osasco, cuja truculência resultou na perda de um olho pela jovem e cicatrizes para o resto da vida nele – conforme nossa reportagem de 2021. 

    Perguntada sobre como foi revê-los, a repórter Jennifer Mendonça disse que ambos estavam retraídos quando ela e o fotojornalista Daniel Arroyo chegaram.  “Foi difícil para eles rememorarem toda a situação”, conta. “Tem uma descrição que faço na matéria sobre Giovanna estar sentindo o incômodo da prótese que ela usa, que foi doada. É um globo que não encaixa tão direitinho porque a bala de borracha quebrou um ossinho perto do olho. Ela se sente melhor ao ser vista com a prótese quando está em público.”

    A perda do olho afetou a autoestima de Giovanna. Antes de receber a prótese doada, a jovem passou quase um ano sem sair de casa. E, mesmo com ela, mantém os óculos escuros sempre à mão. Seu pai, que tem baixa visão em um dos olhos por causa da ação da GCM, está sem emprego. O único apoio da família é pensão vitalícia de um salário mínimo que Giovanna ganhou. Nada ainda de indenização, tratamento psicológico ou assistência social. 

    Leia mais: ‘Pior que a PM’: em abordagem da GCM, filha perdeu olho e pai teve a visão comprometida

    A realidade é que a militarização da GCM já aconteceu, mesmo sendo inconstitucional ao papel de zeladores do patrimônio público. E traz consigo o histórico belicoso de violência nas periferias das cidades que já conhecemos nas PMs. A reportagem conta que já existe uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) no Congresso para mudar o nome de guarda para polícia municipal. 

    Se a estrutura militar de nossas polícias não tem resolvido a segurança pública do Brasil, o que mais uma polícia nesses moldes fará, senão repetir a fórmula de altas taxas de letalidade entre pretos e pobres? Qualquer solução de segurança pública que não tenha como centralidade a eliminação das desigualdades sociais e do racismo está fadada ao fracasso, independentemente de ser implementada pelo governo federal, estadual ou municipal. 

    Mas parece que a solução mais fácil e eleitoreira, trazida nos planos de governos dos candidatos à prefeitura de São Paulo, segue o velho slogan de Paulo Maluf: é Rota, ROMU, Iope na rua e rastros de sangue de pobres no chão. 

    Este artigo foi publicado originalmente na newsletter semanal da Ponte: clique aqui para assinar e receber textos exclusivos, reportagens da semana e mais na sua caixa de e-mail

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