Artigo | Abram os olhos: Javier Milei e a desinformação climática

A negação da crise climática por parte do candidato à presidência argentina é só mais uma manobra que visa a ocultar as insuperáveis contradições entre o modelo econômico ultraliberal defendido por Milei e o respeito aos limites planetários

Javier Milei e Eduardo Boslsonaro, em foto postada pelo deputado federal brasileiro | Foto: Reprodução

Mais um candidato de extrema direita ameaça a América Latina, dessa vez na Argentina. Esse país parece novamente querer imitar o Brasil e repetir as tragédias vivenciadas pela nossa população nos últimos anos com o (des)governo Bolsonaro. 

Com uma postura excêntrica, posições polêmicas e uma história de vida completamente afastada da política, Javier Milei é mais um outsider que pretende se colocar como uma alternativa àquilo que ele denomina de “casta” política tradicional. Não é à toa que uma bibliografia da figura, escrita neste ano, foi intitulada El Loco. Contudo, aqueles que já possuem o olhar mais aguçado conseguem enxergar os perigos que as bravatas de Milei escondem. 

Seus apoiadores, como é o caso do partido Novo no Brasil, afirmam que Milei é um defensor irrestrito da liberdade. Só esquecem de mencionar a qual liberdade se referem: a liberdade dos mercados. Todos. Até mesmo a liberdade para vender órgãos e vender crianças. Mas, nada além disso. Não estão aqui incluídas a liberdade de viver com dignidade, a liberdade de se ver livre da dominação de alguns seres sobre outros, nem a liberdade de não consumir. Os cientistas políticos há muito tempo já sabem que Milei é mais um fantoche da classe econômica. Sua função é confundir o público, enquanto os seus direitos são retirados, cada vez mais, em benefício de uma riqueza altamente seletiva. 

O candidato à presidência da Argentina também é contrário à ciência climática. Além de negar que as ações humanas têm um impacto na mudança do clima, afirmou que, caso eleito, não cumprirá o Acordo de Paris, o principal tratado internacional climático, que determina a redução de emissões de gases de efeito estufa.  

Assim, Milei se insere em um contexto da ascensão de candidatos autoritários e ultralibertários, que vem ocorrendo ao redor de todo o mundo, em uma onda que alguns especialistas chamam de neofascista. Esses candidatos comumente se utilizam de técnicas de manipulação das massas, tal qual faziam os fascistas, como os discursos de ódio, os revisionismos e negacionismos históricos e a desinformação. O modelo é seguido à risca, já que Milei também nega a ditadura argentina e afirma que a ideologia de gênero vem destruindo a sociedade. 

Assim como Bolsonaro, Milei também é uma ameaça para a economia do país que pretende governar. Ele não apenas propõe acabar com o Banco Central e substituir a moeda argentina pelo dólar, mas também retirar o país do Mercosul e, principalmente, terminar quaisquer relações comerciais com o Brasil, que ele considera ser governado por um comunista. Contudo, o Brasil é um dos maiores parceiros comerciais da Argentina. Desse modo, verifica-se que Milei não está preocupado com o impacto que todas essas ações terão na vida dos argentinos. De acordo com diversos economistas, a vitória do candidato ultraliberal equivalerá à destruição da economia argentina. 

Fica nítido que a sua negação da crise climática é só mais uma manobra que visa a ocultar as insuperáveis contradições entre o modelo econômico ultraliberal defendido por Milei e o respeito aos limites planetários. Pessoas como Milei não estão preocupadas se o mundo irá acabar – elas só querem destruir um pouco mais o planeta antes que isso aconteça – tudo em nome do dinheiro. 

Como foi demonstrado no livro da autora deste texto, prestes a ser lançado, esse é precisamente o objetivo da desinformação climática. É fazer com que a população rejeite o consenso científico, os alertas de colapso ecológico, e volte seus olhares a políticos excêntricos que cotidianamente mentem sobre o impacto das medidas econômicas que adotam. “Não olhe para cima”, eles nos dizem, como bem alertou o filme de 2021. De preferência, nem abra os olhos. Continue cego a todas as contradições das “liberdades do mercado”, enquanto os países vão ficando mais pobres e os seus pouco bilionários mais ricos. Continue tateando no escuro enquanto a precarização do trabalho se intensifica, as florestas queimam e todas as possibilidades de um futuro comum são aniquiladas. Continue consumindo de forma desenfreada e se sentindo culpado por isso enquanto os bilionários emitem mais gás carbônico do que nações inteiras, com seus jatinhos particulares e bens de luxo. 

Sendo assim, figuras como Milei apostam na ignorância da população, na falta de conhecimento e na vontade de achar soluções fáceis para o caos em que estamos inseridos. Justamente por sabermos disso tudo é que devemos avisar nossos vizinhos para que não cometam o mesmo erro que cometemos em 2018. 

Abram os olhos. 

*Elisa Maffassioli Hartwig é doutoranda e mestra em Direito Público pela Unisinos, especialista em direito do trabalho e em direito digital pela Fundação Escola Superior do Ministério Público, pesquisadora nas áreas de direitos humanos, direitos dos animais e justiça climática e autora de Quando a Mentira Ameaça o Futuro: desinformação climática e seus impactos na democracia, próximo lançamento da Blimunda

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