A minha luta, como Ana Paula, mãe de Johnatha, e das centenas de mães que perderam seus filhos pela violência policial é uma luta por direitos humanos, contra o racismo e a impunidade
Algumas pessoas que fazem parte de movimentos sociais no Rio de Janeiro e organizações da sociedade civil me conhecem: são 10 anos de caminhada e luta, ecoando minha voz em busca de justiça. Em 2014, Johnatha Oliveira, meu filho mais velho, então com 19 anos, foi brutalmente assassinado com um tiro que veio por trás: um disparo de um agente de segurança que tem o dever de garantir a vida, nossa proteção e nossos direitos. Johnatha foi morto em Manguinhos, numa tarde que nunca vou esquecer.
Aprendi muitas coisas com Johnatha e uma delas foi de ser mãe: isso nunca ninguém poderá me tirar. Ele me ensinou sobre amor e sobre nunca desistir das coisas que podem mudar nossas vidas e a vida de outras pessoas.
Ainda que a dor e o sofrimento de uma mãe que perdeu o filho para violência não possam ser expressos em palavras, eu não me calei. Desde 2014, tenho unido forças, aliados, companheiras e amigas e tenho lutado diariamente por justiça. Nessa década, já tive muito medo, me senti impotente diante de instituições que me deram poucas respostas. Nós, familiares e amigos de Johnatha, honramos seu legado, lembramos o seu rosto e queremos sair do Tribunal com um sentimento diferente desse de dor que a gente já conhece. Queremos alívio e justiça.
Somos moradores de favela e precisamos ter nossos direitos humanos garantidos. Assim como outras favelas da região, Manguinhos é um lugar com números alarmantes de violência, de desemprego e que sofre com intervenções das forças de segurança pública. Em 2012, o território foi invadido por forças militares e policiais, com a pirotecnia estatal na forma de tanques de guerra da Marinha e do Exército, policiais militares e civis, muitos dos quais pertencentes a
forças especiais.
Desde a implementação da UPP em Manguinhos, no final de 2012, até o assassinato de Johnatha, já vivemos outras duas grandes dores: dois assassinatos cometidos por policiais militares contra jovens negros. Eles também têm seus nomes e rostos na bandeira do Movimento Mães de Manguinhos: Matheus de Oliveira Casé, assassinado aos 16 anos, no dia 20 de março de 2013; e Paulo Roberto Pinho de Meneses, assassinado aos 18 anos, no dia 17 de outubro do mesmo ano.
A mãe de Paulo Roberto, Fátima, cofundadora do Movimento Mães de Manguinhos, foi com as pessoas de outro movimento local, o Fórum Social de Manguinhos, uma das primeiras Mães a me acolher. A nossa parceria já dura quase 10 anos e, nesse tempo, os policiais que assassinaram Paulo Roberto foram condenados. Uma grande vitória, embora não tenha sido efetiva para poupar outros jovens.
Todos os dias, 17 pessoas são mortas pela polícia no Brasil, sendo que 14 delas são negras e jovens, majoritariamente pobres, de periferias e favelas, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023.
A minha luta, como Ana Paula, mãe de Johnatha, e das centenas de mães que perderam seus filhos pela violência policial é uma luta por direitos humanos, contra o racismo e a impunidade. 10 anos é tempo demais: exigimos justiça Para Johnatha! Por isso, estaremos todas juntas no dia 5 de março de 2024, às 10h, pouco antes do julgamento do policial acusado do assassinato, na porta do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Vamos lá para pedir a condenação do policial militar Alessandro Marcelino de Souza pelo crime de homicídio doloso.
Não esqueceremos, não descansaremos e seguiremos juntas e juntos: os movimentos de mães, como o Mães de Manguinhos, os movimentos sociais de favela como o Fórum Social de Manguinhos, as organizações de direitos humanos, como a Anistia Internacional Brasil, a Justiça Global e o Instituto Marielle Franco e os cidadãos e cidadãs que não querem mais que a história se repita!
*Ana Paula Oliveira é mãe de Johnatha de Oliveira Lima, defensora de direitos humanos e pedagoga. Tem 47 anos e é moradora da favela de Manguinhos, na Zona Norte do Rio, onde cofundou o Movimento Mães de Manguinhos.