Há 8 anos, o Governo de São Paulo anunciava atentado contra o quartel da tropa de elite da PM paulista, que terminaria com morte do suposto autor. Acusados só foram ouvidos no mês passado
Em 1º de agosto de 2010, a Seleção da Espanha ainda curtia a ressaca do título da Copa do Mundo de Futebol, conquistado no mês anterior na África do Sul, ao mesmo tempo em que o governo de São Paulo (PSDB) anunciava um ataque ao quartel da Rota. A Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), sediada no bairro da Luz, Centro da Capital paulista, é a tropa de elite e a mais letal da Polícia Militar do Estado de São Paulo.
A Secretaria Estadual da Segurança Pública informava à imprensa que o quartel havia sido atacado por Frank Ligieri Sons, de 33 anos. Segundo a versão da Polícia Militar, Sons estava armado com uma pistola ponto 40 e coquetel molotov e morreu durante um tiroteio frontal, após entrar em confronto com dois PMs da Rota.
Sons foi apontado pela polícia paulista como terrorista e suspeito de ser integrante de uma facção criminosa. Ele tinha passagens por roubos, estupro e lesão corporal. O suposto ataque à Rota aconteceu um dia depois do suposto atentado contra o então tenente-coronel Telhada (atualmente deputado estadual pelo PSDB), na época comandante das Rota.
Alguns dias depois da morte de Sons, a Secretaria Estadual da Administração Penitenciária esclarecia que Sons era um ex-detento e que não integrou nenhuma organização criminosa. O sargento Jorge Inocêncio Brunetto e o soldado Sidney João do Nascimento foram indiciados pelo assassinato de Sons. O suposto terrorista era irmão do ex-sargento da Polícia Militar Ronaldo Ligieri Sons, que curiosamente também teria servido na Rota.
Quatro anos após a morte de Frank, em junho de 2014, milhões de brasileiros amantes do futebol vibravam com as emoções da Copa do Mundo sediada de Norte a Sul no território nacional. Nas semifinais, a Alemanha goleou a Seleção Brasileira, do técnico Felipão, por 7 a 1 e depois derrotou a Argentina no Maracanã, conquistando o quarto título mundial.
Quase um ano depois do término da Copa do Mundo de Futebol no Brasil, em 25 de maio de 2015, o Ministério Público Estadual denunciava Brunetto e Nascimento à Justiça pela morte de Sons.
No processo, está anexado um laudo pericial constatando que Sons morreu com um tiro nas costas e que não foi ferido frontalmente, como alegaram os PMs acusados de matá-lo. Peritos também realizaram exame residuográfico nas mãos de Sons e apuraram que nelas não havia sinais de pólvora, indicando assim que ele não teria usado arma no dia dos fatos. O coquetel molotov que estaria com ele nunca foi encontrado. A Polícia Civil descobriu ainda que as câmeras de segurança do quartel da Rota não estavam funcionando no dia do suposto ataque.
Para alguns policiais civis, esses fatores eram indícios de que o atentado ao quartel não passava de uma “encenação pretoriana”, um termo criado por investigadores da Polícia Civil em alusão aos policiais da Rota, que são conhecidos como “boinas pretas”.
Segundo o Ministério Público Estadual, Brunetto e Nascimento foram transferidos da Rota para outras unidades da Polícia Militar. Ambos respondem ao processo em liberdade.
Em março do ano passado, a Seleção Brasileira de Futebol, agora sob o comando do técnico Tite, garantia uma vaga para a Copa do Mundo de 2018, na Rússia. A classificação brasileira veio há quatro rodadas de antecedência do fim das Eliminatórias Sul-Americana.
Após duas Copas do Mundo (África do Sul/2010 e Brasil/2014), duas Olimpíadas (Londres/2012 e Rio/2016) e às vésperas do Mundial da Rússia (Junho/2018), os PMs Brunetto e Nascimento, acusados de matar Sons em agosto de 2010, só foram interrogados há cerca de um mês, de acordo com o Ministério Público.
A demora no julgamento dos PMs só comprova que a Justiça realmente tarda. Será que o caso da morte de Sons, o suposto terrorista, terá um desfecho judicial antes da Copa do Mundo de Futebol de 2022?
A Ponte não esquece e continuará acompanhando o andamento desse processo judicial.
*Josmar Jozino é repórter especializado na área de segurança pública há mais de 30 anos e já escreveu três livros, entre eles “Xeque Mate – O Tribunal do crime e os letais boinas pretas”, que trata da relação da Rota contra os líderes do crime organizado. Atualmente integra a equipe da Ponte.