Artigo | De Bukele a Tarcísio: os populismos penal e policial como dividendos eleitorais

Por meio dos aparatos das forças de ordem e segurança, o presidente de El Salvador e, em algum grau, o governador de São Paulo vão firmando a marca linha dura em suas gestões a fim de anunciá-la nos mercados eleitorais

À esq., Nayib Bukele, presidente de El Salvador, à dir,, tARcísio de Freitas, governador de SP | Foto: Andre X / WikimediaCommons e Ciete Silvério/Governo do Estado de SP

Em fevereiro deste ano, Nayib Bukele foi reeleito presidente de El Salvador com 82,66% dos votos. No Brasil, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, teria, em Santos, uma aprovação de 72,0%. O que une esses atores, apesar das situações diferentes e distantes, é o tema da segurança. Em El Salvador, a Bukele é atribuído o feito de ter pacificado o país, visto que reduziu uma dais maiores taxa de homicídio do mundo para o patamar de 2,4 mortes por 100 mil habitantes. Por outro lado, em São Paulo, a Tarcísio é conferido o mérito de estar endurecendo o combate ao crime organizado na Baixada Santista. Em El Salvador e São Paulo, a pauta da segurança não se resume à criminalidade. É uma trama político-eleitoral.

Em El Salvador, Bukele implantou um estado policial para levar à frente a estratégia de enfrentamento às facções. Para tanto, seu governo, com o estabelecimento de um regime de exceção, tem derrogado direitos individuais e realizado aprisionamento em massa de prováveis envolvidos em facções. Como símbolo da política repressiva de Bukele, destaca-se a megaprisão Centro de Confinamiento del Terrorismo (Cecot), com capacidade para 40.000 detentos. Com essas medidas, o governo de Bukele tem sido visto como modelo de enfrentamento à criminalidade. Nota-se que, numa entrevista concedida ao jornal El País, em 28 de setembro de 2023, o diretor da Polícia Nacional, Mauricio Arriaza Chicas, afirmava com altivez: “somos o país mais seguro das Américas, uma referência internacional”.

Já no estado de São Paulo, no Brasil, muito antes da era Tarcísio, resultados positivos nos indicadores de criminalidade estavam sendo verificados, sobremodo com reduções nas taxas de homicídio e de letalidade policial. Mesmo assim, sob a gestão de Tarcísio o tema segurança reassumiu posto proeminente e sob a lógica repressiva. Prova dessa linha foi a nomeação de Guilherme Derrite para o comando da secretaria de segurança pública, justamente um ex-integrante da polícia militar paulista conhecido por ter “matado muito ladrão”. Assim, num contexto de tiro, porrada e bomba, executou-se a Operação Verão na região da Baixada Santista, a qual acumulou as mortes de três policiais e as de 56 pessoas da comunidade em situações de supostos confrontos. Questionado sobre a letalidade policial na referida operação, o secretário Derrite disse: “Olha, eu nem sabia que eram 56, eu não faço essa conta”. Reação parecida com a de seu chefe, Tarcísio, que disse noutra ocasião não estar “nem aí” para as denúncias de abusos ocorridas na Operação Verão.

As narrativas e táticas de Bukele e de Tarcísio na seara da segurança fazem parte do mesmo espectro, em termos de fundamentação ideológica e de estratégias de ação, apesar das diferenças entre eles e das dinâmicas da criminalidade dos territórios que estão governando. Em regra, eles erigem o problema de criminalidade à categoria de guerra e advogam poderes especiais às corporações para atacá-lo. Nessa batalha, direitos de pessoas intituladas criminosas podem ser relativizados, afinal são tratados como inimigos. Com essas medidas, Bukele lá e Tarcísio aqui, vão conduzindo a segurança sob a política do medo a fim de justificar suas ações autoritárias. Assim, a segurança deixa a arena das políticas públicas e se torna basicamente ação policial.

Portanto, discursos e ações de endurecimento à criminalidade de Bukele e de Tarcísio tendem a repercutir na dimensão eleitoral. Em El Salvador, hoje Bukele e seu partido são dominantes, com absoluta vantagem frente aos adversários da esquerda. Agora, em São Paulo, Tarcísio vem tendo popularidade pontual e seu interesse é aprovar aliados nas eleições municipais no estado de São Paulo, o que pode ser um teste para investidas dele em âmbito nacional. Com efeito, por meio dos aparatos das forças de ordem e segurança, Bukele, e, em algum grau, Tarcísio, vão firmando a marca linha dura em suas gestões a fim de anunciá-la nos mercados eleitorais.

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Em geral, estratégias populistas de enfrentamento à criminalidade têm sido manejadas com fins eleitorais. Ora, diferentemente de outras áreas governamentais, como educação, saúde e economia, cujos resultados podem demorar ou são incertos, no tema da criminalidade, operações policialescas podem ser divulgadas como efetivas intervenções estatais. Com efeito, os dividendos políticos de ações na segurança tendem a ser distribuídos mais diretamente aos seus promotores do que os de outras áreas. Esse receituário não é novidade, mas vem realinhando atores do campo da direita extremista. É justamente nesse front político que Bukele e Tarcísio buscam se posicionar.

*Alexandre Pereira da Rocha é doutor em Ciências Sociais, policial civil do Distrito Federal e associado ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Publicado originalmente na edição 227 da newsletter Fonte Segura

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