Artigo | Elliot Page faz história ao transicionar na vida real e também nas telas

No Dia Internacional da Visibildade Trans, ator anuncia que seu personagem na série The Umbrella Academy também vai transicionar; jornalista e homem trans, Caê Vasconcelos explica a importância do gesto

O ator Elliot Page no papel de Viktor Hargreeves, na série The Umbrella Academy | Foto: Divulgação

Era dezembro de 2020 quando Elliot Page publicou uma carta em suas redes sociais para contar ao público que era uma pessoa trans. O ator, renomado e reconhecido mundialmente por papéis em filmes como Juno e X-Men, usou a sua visibilidade e fez história com a sua carta política lembrando o quanto a população trans é executada e suicida ao redor do mundo.

Agora, ele voltou a usar as redes sociais para contar que seu personagem em The Umbrella Academy, produção original da Netflix, também passará pela transição de gênero. Viktor Hargreeves é o novo integrante da família de super-heróis da série. Esse fato é inédito no mundo do audiovisual porque nunca antes a vida pessoal de um ator fez o roteiro do seu personagem mudar tanto, neste sentido.

Quando Elliot tornou pública a sua transição, a produção por trás da série havia dito que o personagem não iria transicionar. A alternativa dada na época foi mudar imediatamente o nome do ator nos créditos de todas as produções que estavam na plataforma. Mas isso era pouco. Elliot teria que seguir interpretando um personagem com o gênero que não se identifica mais. Seria uma transfobia institucional contra ele.

Com a decisão histórica da gigante dos streamings, Elliot entra, de uma vez por todas, na história. E falar em história e visibilidade para pessoas trans e travestis, principalmente para pessoas transmasculinas, é algo urgente. Visibilidade é o que nos impulsiona e nos encoraja para sermos nós mesmos. O medo é algo que nos paralisa e muitas vezes nos tira a vida, seja pelo ódio de um assassinato ou pelo adoecimento de nossa saúde mental, que nos leva ao suicídio. 

Elliot sabe bem disso. Ele fez questão de destacar todos esses pontos na carta sobre a sua transição. “As estatísticas são impressionantes. A discriminação contra pessoas trans são abundantes, insidiosas e cruéis, resultando em consequências horríveis. Só em 2020, pelo menos 40 pessoas trans foram assassinadas, a maioria delas era mulher trans negra e latina”, escreveu o ator.

Nesse mesmo texto, Elliot falou sobre o medo que tinha de contar sobre a transição. Eu sei bem como é esse medo porque senti bastante antes de ter a coragem de falar publicamente sobre a minha identidade. Quando já temos um nome conhecido em nossas áreas, esse medo aumenta. Se eu, um mero jornalista, senti medo, nem consigo imaginar o que passou pela cabeça de Elliot para seguir firme.

Ele não só seguiu como não se contentou com pouco. Teve coragem de contar aos 33 anos que era uma pessoa trans e agora, aos 35, conseguiu marcar para sempre a sua trajetória no audiovisual, impulsionando outras pessoas trans ao redor do mundo para resistir. Elliot sempre foi uma inspiração para mim e agora é ainda mais. Fico imensamente feliz de saber que muitos meninos trans poderão crescer vendo ele nas telinhas e telonas nos representando, lutando pelo avanço coletivo das nossas pautas.

Essa vitória de Elliot é coletiva porque também é uma luta pela inclusão de corpos trans no audiovisual. A nova temporada de The Umbrella Academy irá mostrar que, mesmo que os roteiros precisam ser reescritos para que as nossas identidades sejam respeitadas e que possamos seguir inclusos na arte, o sucesso será o mesmo. Ou ainda maior. Porque esse Elliot que entrou nos sets de filmagens da série era finalmente o Elliot, feliz consigo mesmo e se amando mais.

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Celebrar a vida e as vitórias é um dos passos para não sucumbirmos ao ódio da transfobia. Neste Dia Internacional de Visibilidade Trans, que foi criado em 2009 pela ativista Rachel Crandall justamente para falar de vida e não de morte, eu só tenho mais certeza de que o caminho é seguir com a voz ativa. Mesmo quando o cis-tema tenta nos silenciar, devemos nos fortalecer nos nossos e seguir com a luta. Sempre honrando nossos transcestrais e abrindo os caminhos para os que virão depois. Que possamos falar mais de vida e menos de mortes. Que possamos celebrar mais vitórias dos nossos Elliots Page e não chorar as partidas de nossos Popos Vaz.

* Caê Vasconcelos é homem trans, bissexual, jornalista e cria da periferia zona norte da cidade de São Paulo. É autor do livro-reportagem Transresistência: Pessoas trans no mercado de trabalho (Dita Livros) e repórter especializado na editora LGBT+. Foi repórter da Ponte Jornalismo de 2017 a 2021.

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