Artigo | O avesso da minha pele

Estar cansada tem sido uma constante diante dessas notícias de violências, dessa bestialidade selvagem. Queria ter um lugar pra ir e não precisar estar armada, preparada, afiada

Quando o Fausto Salvadori, diretor de redação da Ponte, sugeriu que trouxesse um texto de minhas redes sociais pessoais para o site , relutei de início e silenciosamente. Ainda estava – e estou – com a carne sensível depois de ter lido O Avesso da Pele, do autor carioca radicado no Rio Grande do Sul Jeferson Tenório. Além disso, me acompanha há semanas o cansaço infeliz de todo santo dia me deparar com alguma notícia sobre algum irmão negro sendo violentado de alguma forma.

No entanto, às vezes, é preciso que a gente compartilhe algumas dores como que para exorcizar as sombras e renovar esse algo que nos faz seguir adiante. Portanto, eis aqui a reprodução do que havia publicado nas redes, escrito em meio ao choro e uma dor física real.

Fazia tempo que um livro não me dilacerava desse jeito. Não sei se me dilaceraria tanto se não trabalhasse na Ponte. Toda semana é um negro preso sem provas, reconhecido de forma ilegal, sentenciado à morte pelo júri do racismo.

Durante um bom tempo, relutei em ler O Avesso da Pele. Sabia que ia ser perto demais, duro demais. Mas a escrita do Jefferson é enganosa. Ela te enrodilha na oralidade do narrador, no fluxo da vida até que a narrativa atira a violência na sua cara. O narrar das abordagens sofridas pelo pai do narrador me lembrou do Gil, meu colega de Ponte Jornalismo. Gil tem 38 anos e sofreu 31 abordagens policiais ao longo da vida. Penso que ele escapou por 31 vezes.

A espiral de dor e angústia culminou, pra mim, numa fala da tia do narrador quando ela conta a vida que a gente que é preto leva, as formas como sobrevivemos com a cabeça acima da água, ainda que tenham pedras amarradas em nossos calcanhares. A tia fala da solidão, da exclusão, de tudo que faz parte da rotina do negro neste país.

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Estar cansada tem sido uma constante diante dessas notícias de violências, dessa bestialidade selvagem. Queria ter um lugar pra ir e não precisar estar armada, preparada, afiada. Onde não tivesse medo de pensar em criar uma criança negra. Onde eu pudesse ter o mesmo acesso ao afeto, às oportunidades, à tranquilidade. Mas esse direito nos foi tirado há 400 anos.

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