Por que, enquanto sociedade, não estamos ocupando as ruas de forma contínua contra esse estado de eterna violência? Quantos precisam morrer para que o sentimento de revolta tome conta de nós como população?
Na quinta-feira dessa semana (24/8), tivemos uma série de protestos contra a violência policial, organizados pelos movimentos negros em todo o país. O dia escolhido para os atos celebrou os 141 anos da passagem de Luis Gama, grande advogado abolicionista, para a ancestralidade. Os assassinatos de Mãe Bernadete, líder quilombola e yalorixá, e seu filho Binho também foram lembrados e chorados nos eventos.
Perguntei à minha colega, a repórter Jeniffer Mendonça, qual foi sua percepção da manifestação em São Paulo, que ela cobriu in loco na Avenida Paulista na noite de quinta-feira. “Senti um clima bem pesado, parecia um cansaço misturado com ódio”, ela confessou. “Senti falta de parlamentares brancos. Sempre são as mulheres negras.”
Quem acompanha a Ponte há algum tempo, sabe que casos de violência policial, prisões sem prova, reconhecimento irregular são comuns e possuem diversos graus de absurdo, e são sempre os mesmos corpos: negros, periféricos, vulnerabilizados desde o primeiro negro escravizado que pisou em nossas terras.
Não faltam casos de violência que nem chegam ao conhecimento da população: os 20 mortos da operação Escudo não ganharam mobilização por parte de personalidades; o garoto Mizael Fernandes da Silva não ganhou campanha nas redes sociais pressionando o poder público; o imigrante da Gâmbia Bubbacarr Dukureh não teve sua história contada por influenciadores; não houve revolta quando se descobriu que a cena do assassinato de Vinícius Texucla Oliveira foi alterada por PMs. Poderia contar uma porção de casos em que a mobilização partiu da família e de movimentos sociais que lutam incansavelmente contra a violência policial, liderados geralmente por mães, esposas, mulheres como Mãe Bernadete. Mulheres estas que estão cansadas de estarem sozinhas nos fronts, pois não se engano, são muitas as frentes de batalha.
Você já se perguntou por que, enquanto sociedade, não estamos ocupando as ruas de forma contínua contra esse estado de eterna violência? Quantas Agatha, João Pedro, Lucas, Hamilton, Gibinha, precisam morrer para que um sentimento de revolta tome conta de nós como população?
Minha eterna impressão – que é uma certeza – é que esses corpos não geram revolta por serem simplesmente descartáveis como lixo. Quem se enluta pelas histórias de violência e dor que contamos aqui na Ponte? Ou pelas outras muitas que não damos conta de contar por conta de nossa falta de estrutura?
Faço um convite a reflexão pessoal: você se considera aliado desta luta? Se sim, o que tem feito contra a violência racista do Estado? Ou – se me permite a provocação – assim como muitos, você acha que uma solução mágica virá de algum governo ou do Congresso? Você tem ajudado a visibilizar as histórias das pessoas que são mortas? Você compartilha reportagens que mostram a luta de seus familiares costumeiramente em suas redes sociais? Sua mobilização é constante ou apenas quando viraliza?
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