Em menos de dez meses, Beatriz da Silva Rosa perdeu o marido com deficiência física e um filho de 4 anos para a PM do governador Tarcísio de Freitas
Ryan tinha 4 anos. Ryan sempre terá 4 anos, graças a Polícia Militar do Estado de São Paulo e sua política de morte. Ryan nunca irá crescer, nem realizar sonhos, nem aprenderá a ler e a escrever. Foi morto. Está cristalizado para sempre em seus breves 4 anos.
“Eles poderiam ter tirado qualquer coisa de mim, mas não meu filho”. Ouvir a mãe de Ryan Santos, Beatriz da Silva Rosa, dizer isso durante o sepultamento do filho é de dilacerar o peito de quem ainda tem algum pingo de humanidade.
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Em menos de 10 meses, esta mulher de 29 anos enterrou o companheiro e o filho, ambos vítimas da PM. Leonel, pai de Ryan, uma pessoa com deficiência, foi morto em fevereiro durante a Operação Verão. Como sempre, a polícia acusou-o de ter atirado contra os agentes. Qual será a desculpa pela morte de Ryan? Qual risco este menino representava a policiais adultos e armados?
A morte de Ryan denuncia, mais uma vez, nossa incapacidade de defesa das vidas mais vulneráveis de nossa sociedade. É mais uma na conta do Estado, mas também mais uma para a nossa conta. O silêncio público diante dessa morte diz muito sobre onde está o nosso olhar e as nossas preocupações. O crime de Ryan foi ter nascido em uma comunidade pobre, onde sua vida valia menos, era considerada dispensável. A real é que essa morte não incomoda a sociedade. E, ainda que incomode, será por uns poucos dias. Depois, será relegada às mulheres dos movimentos sociais e sua luta difícil para que esta matança de futuros termine.
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O vídeo de PMs tirando racha nas ruas de São Paulo, também noticiado recentemente pela Ponte, choca mais o comando da corporação do que a morte de uma criança. No caso dos policiais que correram e se acidentaram com sua viatura, fala-se de antemão em expulsão dos pretensos figurantes da franquia Velozes e Furiosos. Sobre os assassinos de Ryan? Bem, o mero questionamento de responsabilidade no ato causou mais indignação ao secretário de [in]Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, do que o fato de uma criança de 4 anos ter sido morta por um dos seus comandados. E isso por que Derrite se diz parte da turma que defende a vida, a família e valores cristãos.
O epítome da macheza na violência, mas covarde em assumir responsabilidade por decisões políticas tomadas. Questionado sobre o caso, Derrite acusou a codeputada Paula Nunes (PSOL), da Bancada Feminista, de fazer “vitimismo barato”. E tirou o corpo fora: “Não vou falar sobre a ocorrência, quem tem que falar sobre a ocorrência é o inquérito da Polícia Militar que foi instaurado”, disse. A morte de mais uma criança, no entanto, é fruto de decisão política: uma política de morte à favela.
E vale destacar aqui algo que chamou atenção de nossos leitores nas redes sociais: a nova tendência policial de participar de velórios e enterros de suas vítimas. Em Bauru, no mês passado, invadiram um velório, agrediram a mãe do assassinado e levaram seu irmão por “desacato”. Agora, no caso de Ryan, a diferença foi a “técnica”. Tanto no cortejo fúnebre quanto diante do cemitério lá estavam os PMs atentos e posicionados, fedendo a sangue, ameaçadores. Sua presença é quase um prenúncio de que qualquer um ali pode ser o próximo corpo descartável.
A sociedade da qual fazemos parte assiste a tudo isso em silêncio. Crimes sem fim do Estado passam sem indignação geral, sem cobrança aos responsáveis. A condenação dos assassinos de Marielle na semana passada foi fruto da insistente luta e comoção da sociedade. E agora: quem lutará por Ryan?
Este artigo foi publicado originalmente na newsletter semanal da Ponte: clique aqui para assinar e receber textos exclusivos, reportagens da semana e mais na sua caixa de e-mail