Diógenes Muniz, diretor do documentário Libelu – Abaixo a Ditadura, relembra da figura sinistra e histriônica do chefe da SSP-SP entre 1974 e 78
Por meio de imagens de arquivo, algumas delas inéditas, o coronel Erasmo Dias (1924-2010) é um dos principais personagens do documentário Libelu – Abaixo a Ditadura, que estreia neste mês pela Mostra Competitiva da 25ª edição do Festival É Tudo Verdade. Não foi convidado, mas acabou roubando a cena seu jeito agressivo e histriônico.
Dias foi um símbolo da repressão durante o regime militar, sobretudo em São Paulo. Em 1968, participou do cerco aos integrantes do 30º Congresso da UNE em Ibiúna. Dois anos depois, chefiou a operação para prender Carlos Lamarca no Vale do Ribeira — Lamarca conseguiu fugir.
(A caçada à guerrilha no Ribeira, aliás na região onde Jair Bolsonaro nasceu, é comumente trazida à tona pelo presidente como uma espécie de “rosebud” de sua vida. Bolsonaro tinha entre 14 e 15 anos, e gosta de propagar que ajudou voluntariamente a operação, o que é questionável pelo cruzamento de informações feitos por pesquisadores e jornalistas. Ainda assim, o acontecimento fascinou o jovem eldoradense a ponto de fazê-lo escolher naquele momento a carreira nas Forças Armadas.)
A atuação mais conhecida de Erasmo Dias (que ganha destaque no filme) foi como secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, entre 1974 e 1978. Foi aí que sua história cruzou com a da Liberdade e Luta, tendência estudantil de orientação trotskista surgida na mesma época.
Os libelus infernizaram as tropas do coronel ao apostar na retomada das passeatas de rua contra o regime, no que foram seguidos pelo restante do Movimento Estudantil. O AI-5 ainda vigia, mas o Estado não conseguiu segurar os estudantes dentro dos campi .
A agitação desafiadora que renasce na segunda metade dos anos 1970 e a irritação crescente do então secretário de Segurança Pública culminam na violenta invasão da PUC, em setembro de 1977, com mais de mil estudantes presos.
Com personalidade explosiva e paranoide, Dias influiu na cassação de deputados, perseguiu e prendeu jornalistas. Quando um opositor político morria torturado nas dependências do DOI-Codi, era chamado para lidar com a situação (melhor dizendo, acobertá-la). Defendeu até o fim que o jornalista Vladimir Herzog, torturado e assassinado pelo regime, era um “agitador marxista” que havia na verdade se matado.
Antes do tempo
O coronel gostava de dar entrevistas com declarações rasgantes, muitos decibéis acima do necessário. Após a ditadura, já atuando como parlamentar, encontrou na TV um palco para defender suas ideias.
Numa edição do programa “Canal Livre” (Band) de 1988, no qual era convidado assíduo e espécie de alívio cômico, o coronel reformado e então deputado estadual pelo PDS dispara : “Se dentro do teu lar a televisão ensina a praticar o lesbianismo [sic], eu prefiro uma ditadura”.
Não sei se Bolsonaro tinha tempo de assistir ao programa de Silvia Poppovic. Por essa época, ele estava meio ocupado planejando explodir bombas em quartéis do Exército.
De qualquer maneira, se a fala de Erasmo Dias soa atual e até premonitória do tipo debate que atravanca 2020, o contexto não poderia ser mais diferente. Agora sabemos que não existe bolsonarismo apenas com Bolsonaro –é preciso haver bolsonaristas (milhões deles). Conforme a abertura política foi avançando, o coronel que tivera carreira militar sólida e se tornara referência entre os pares da linha-dura viu seu cacife político e prestígio diminuírem.
Após se eleger deputado federal e estadual, encerrou sua carreira como vereador.
No documentário que fiz sobre a Libelu, a jornalista Laura Capriglione pondera que o temido chefe da Segurança Pública de São Paulo que mandava prender e soltar nos anos de chumbo, visto hoje, mais parece “uma figura bisonha”.
Logo em seguida, Dias surge numa filmagem da TV Cultura do fim dos anos 1970 falando a repórteres que cobrem passeatas no centro de São Paulo. Quando perde a paciência, ameaça os jornalistas aos berros: “Daqui a pouco vou transformar isso aqui em concentração!”.
Vi essas imagens tantas vezes que notei, bem ao fundo, um sujeito segurando o riso. Patético e descontrolado, violento e por muito tempo perigoso, Erasmo Dias morreu há dez anos. “Enterro reúne filhas e poucos amigos”, registrou o “Estadão” no dia seguinte.
(*) Diógenes Muniz é documentarista, diretor de Libelu – Abaixo a Ditadura e Pivetta
[…] Com informações da PonteJornalismo […]
[…] conta um pouco sobre a Libelu e sua decisão de fazer o documentário. No dia 19, em artigo na Ponte Jornalismo, ele fala do papel do coronel Erasmo Dias na ditadura e como isso aparece no seu filme. Ontem, a […]