Artigo | Ser professora e professor no Brasil é um ato de coragem

“Foi difícil estar na sala de aula semana passada e ignorar como os casos de violência dentro dos espaços escolares estão crescendo numa escala alarmante.  Não é algo apenas recorrente na cultura norte-americana. E isso é desesperador”

Escola Thomázia Montoro, alvo de ataque por um aluno em 27 de março | Foto: Reprodução / Secretaria de Educação de São Paulo

Fomos surpreendidas(os) por uma violência extrema dentro de uma escola pública da rede estadual de ensino de São Paulo em 27 de março, uma segunda-feira. Thomázia Montoro é o seu nome, e ela fica a alguns quilômetros da escola, também da rede estadual, na qual sou professora.  Não consegui parar para ler com detalhes sobre o crime, e sobre a trajetória do menino de 13 anos que o cometeu.

Foi difícil estar na sala de aula na semana passada, e ignorar como os casos de violência dentro dos espaços escolares estão crescendo numa escala alarmante.  Esse é um problema da nossa realidade e devemos encará-lo, não se trata de algo apenas recorrente na cultura norte-americana, dentro das nossas escolas pessoas estão sendo mortas, e isso é desesperador.

Sou professora também em um curso de licenciatura de História na Universidade Estadual do Norte do Paraná. As licenciaturas em nosso país passam por uma crise, a procura não é das maiores. Quem quer ser professora e professor no Brasil? Não é uma área que atrai jovens estudantes. Os cursos de licenciatura, sobretudo, das universidades públicas, resistem às medidas políticas de cunho neoliberal que objetivam diminuir cada vez mais o número da oferta de vagas.

Já me senti mal em algumas situações por relatar nas minhas aulas na referida universidade momentos desconfortáveis e de conflitos que vivenciei em sala de aula, enquanto professora da educação básica. Depois me pegava pensando: acho que estou desanimando as e os estudantes. Cheguei a sentir a necessidade de pedir desculpas, e o fiz.

Percebi, depois de alguns anos como professora, que não podemos romantizar a profissão docente, por mais que ache atemporais todas as discussões feitas pelo patrono da educação brasileira, Paulo Freire. Conhecer seus escritos é de extrema importância não apenas para quem está no processo de formação inicial, mas para quem já está dentro das escolas. Nada me impede de considerar que as concepções de educação de Freire são necessárias e transformadoras, mas também de reconhecer que a escola é uma instituição falida.

Não acredito que exista uma vocação para ser professora e professor, mas temos algumas características que podem nos ajudar no exercício dessa profissão. Lembro, acredito que no ano de 2019, ser surpreendida por uma mensagem de uma menina que foi minha aluna na primeira série do Ensino Médio, em 2017, comentando que estava pensando em cursar História, mas estava em dúvida. Uma outra me escreveu em 2021 também com dúvidas. Optei por ser sincera e compartilhar com elas todas as crises e frustrações que a minha profissão já me causou, não podia deixar de contá-las sobre as dificuldades que vivenciamos todos os dias dentro das salas de aula.

Conhecerei as minhas novas turmas da universidade na segunda semana deste mês de abril, e confesso que não sei até que ponto conseguirei manter o meu entusiasmo em falar da importância de sermos professoras(es) motivadas(os) a fazer um trabalho comprometido e engajado, pois pessoas estão sendo mortas dentro das nossas escolas. Não poderei ignorar esse contexto, talvez eu os desanime, mas não deixarei de falar sobre isso. Precisamos de políticas públicas efetivas para a educação do país, essa é uma reivindicação de décadas, Anísio Teixeira, isso nos anos 1950, falava da ineficácia delas.

Na mencionada segunda-feira, nas turmas do noturno do Ensino Médio em que leciono, resolvi não seguir com o conteúdo programado dos itinerários formativos, o que restou a mim e a muitas(os) docentes das escolas do país após a Reforma do Ensino Médio. Resolvi ler um trecho do livro de Bruna Ramos da Fonte, Escrita terapêutica: um caminho para cura interior, intitulado “O que tem dentro da sua semente?”. Tentei discutir como é importante ficarmos atentos e atentas aos nossos sentimentos para percebermos quando não estamos mais dando conta, e saber a hora de buscarmos ajuda.

Li recentemente o risco de nós acabarmos nos tornando coach ao invés de compartilharmos os conhecimentos científicos. Acho isso preocupante, mas naquela noite não poderia seguir falando sobre ética e moral, e sobre a prevenção de desastres naturais e riscos, conteúdos que agora ministro, pois pessoas estão sendo mortas em nossas escolas.

Ajude a Ponte!

Ser professora e professor no Brasil é um grande desafio. Um desafio que pode nos causar dor e alguns momentos de realização e reconhecimento pelo trabalho feito. É um ato de coragem e de resistência. Seguiremos entrando em nossas salas, mesmo diante dos riscos, pois o nosso trabalho pode, de alguma forma, promover transformações, mesmo que sejam pequenas, nas vidas das pessoas.

* Cleonice Elias da Silva é professora na Universidade Estadual do Norte do Paraná e na Secretaria Estadual de Educação de São Paulo

Já que Tamo junto até aqui…

Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

Ajude

mais lidas