Ocupação na zona leste de SP recebe DJs, bandas de rock e poetas

Começar o ano com mais uma ameaça de reintegração de posse. Essa é a realidade das 33 famílias que moram na Ocupação Alcântara Machado, na zona leste da cidade de São Paulo, embaixo do viaduto de mesmo nome. Além do apoio de muitos artistas e personalidades nas redes sociais, a ocupação recebeu, neste sábado (11/1), um festival musical contra o despejo.
Mais de 300 pessoas em situação de rua passam todos os dias pela Maloca, como os moradores apelidaram o local, para comer, tomar banho e acessar a biblioteca e o espaço cultural e educativo. A ocupação existe desde 2015 e sempre enfrentou ameaças de reintegração de posse. O prefeito Bruno Covas (PSDB) é o quarto a tentar fechar o local, Gilberto Kassab (antigo DEM e atual PSD), Fernando Haddad (PT) e João Doria (PSDB) completam a lista.
O Festival Contra a Reintegração começou às 16h com a oficina de discotecagem da DJ Aline Vargas para as crianças, além de 6 apresentações musicais e diversas intervenções poéticas.
À Ponte, a DJ de 34 anos contou que queria mais tempo com a criançada. “É muito importante mostrar que cultura existe nesse espaço, que a arte está aqui. A luta por moradia é constante, tantas pessoas em situação de rua e eles querem mais pessoas nas ruas, por isso temos que articular nesse espaço”, explica Aline.
Rodrigo Lima, 46 anos, vocalista do Dead Fish, banda capixaba de hardcore que sempre trouxe a luta por moradia em suas canções, esteve no evento e tocou pela primeira vez em formato acústico, só voz e violão. Ele brincou, antes de cantar músicas do Dead Fish, que estava nervoso por isso.
Em entrevista à Ponte, Rodrigo criticou a dinâmica bruta da capital paulista. “São Paulo é uma cidade muito cruel, uma cidade extremamente capitalista e que tem uma especulação imobiliária ridícula. Então todo mundo que paga aluguel tem que lutar por moradia. É uma cidade muito grande e que precisa ser mais justa, não só na distribuição da renda, mas na parte imobiliária”, argumenta Lima.

O vocalista também cobrou outros artistas de somarem na luta por moradia. “A luta por moradia em São Paulo é uma coisa que devia estar nas bases. Todas as pessoas que se dizem progressistas ou que tem alguma pauta à esquerda precisam pautar o movimento por moradia definitivamente. Se você não está onde as pessoas precisam, talvez a sua arte não faça mais nenhum sentido”, crava Rodrigo.
A historiadora Carol Oliveira, 32 anos, que acompanha a ocupação desde o seu surgimento, onde criou muitos laços de amizade, apontou à Ponte que as pessoas não costumam abraçar as lutas do povo de rua.
“Não costumam achar que é uma pauta pertinente apesar de moradia ser uma luta bastante grande. Então, precisamos, infelizmente, criar estratégias para chamar a atenção para o que acontece debaixo do viaduto. Conseguimos que as artistas apoiassem a Maloca, mesmo que apenas mandando um salve”, explica.

“Aqui é um espaço muito bem organizado por quem mora aqui. É legal as pessoas enxergarem esse local como um local agradável, de festa e lazer, e não só como um amontoado de gente. A vida resiste aqui de um jeito bruto, mas muito familiar, agradável, humano, coletivo e comunitário”, argumenta Oliveira.
A historiadora aponta que a Ocupação Alcântara Machado tem um diferencial muito importante e que traz o mínimo de humanidade para as pessoas que ali circulam: “Uma coisa importante é que você pode tomar banho a qualquer hora do dia, você pode usar o banheiro sem precisar estar no controle de outra pessoa, diferente dos centros de acolhida que tem tranca na porta, horário para entrar e sair, não recebem família, não recebem cachorro e não respeitam a autonomia das pessoas”, disse à Ponte.
O sociólogo Paulo Escobar, 41 anos, que há 20 trabalha com a população de rua, comemora o apoio artístico, mas aponta que, quando era apenas a população de rua reivindicando o direito à moradia, a atenção não era a mesma.
“É foda, mas algumas vozes são mais ouvidas que outras, então temos que apelar para isso. Aqui tem um modelo de autogestão, que não tem o apoio da Prefeitura. Acho que o que mais incomoda eles é não ter controle. Tudo que gera autonomia para as pessoas se torna um espaço suspeito”.
Quem também participou do evento foi o poeta Tubarão Du Lixo, 45 anos, que apresentou suas poesias entre as apresentações musicais.

“Gostaria que cada vez menos tivesse esse tipo de batalha, que o debate fosse apenas uma luta por moradia digna, não por resistir nas ocupações. É importante aumentar esse coro, mostrar que aqui não é um lugar perigoso, não é uma invasão, se as pessoas estão aqui é porque o Estado e a sociedade fecharam os olhos e virou as costas, sobrando esse espaço para ser ocupado”, criticou Tubarão.
