É a segunda pichação em duas semanas; alunos afirmam que universidade qualificou o ocorrido como crime contra o patrimônio para não registrar B.O. em delegacia especializada em racismo
Em 12 de novembro, na semana que antecedeu a do Dia da Consciência Negra (20), uma das portas do banheiro masculino do campus de São Bernardo do Campo (SP) da Universidade Federal do ABC (UFABC) apareceu pichada com os dizeres: “Negros da UFABC, lembrem-se: a vida não tem cotas. Saindo daqui vocês serão apenas uns escravos letrados”. Por causa disso, coletivos que atuam dentro da instituição, como o Vozes, promoveram uma série de debates sobre racismo. Mas não adiantou muito. Outras pichações apareceram esta semana, no dia 25.
As duas novas pichações, ambas com os mesmos dizeres, apareceram nas portas dos banheiros masculinos dos blocos Alfa 1 e Alfa 2 no dia 25 de novembro: “Front NS 1488 ABC. Viado, preto e feminista vão morrer”. “Front NS 1488” é uma referência a movimentos neonazistas. O conteúdo misógino, racista e homofóbico causou mais uma vez indignação dos alunos. O coletivo Prisma Diversidade, formado por estudantes, divulgou uma carta aberta em que afirmam que tiveram dificuldades de convencer algum representante da universidade a fazer o registro da ocorrência na Delegacia de Polícia de Repressão aos Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi), no bairro da Luz, em São Paulo (SP), porque a Reitoria alegava que o crime era contra o patrimônio e que apenas faria o registro na Delegacia de São Bernardo do Campo, onde se localiza o campus da UFABC. Eles relatam que depois de muita insistência conseguiram a anuência do pró-reitor Gustavo Galatti para fazer o Boletim de Ocorrência na Decradi. Para o estudante e representante discente Marco Amaral, faltou uma apuração mais rápida e enérgica do crime. “A falta de pulso da universidade na primeira pichação fez com que se criasse uma sensação de impunidade e que os racistas fizessem, sem qualquer constrangimento, novas ofensas”, disse. “A letra das pichações evidencia que foi a mesma pessoa.”
Embora de fato tenha havido dano ao patrimônio, como alega a universidade, também ocorreu crime de racismo. O Código Penal brasileiro caracteriza um delito como racismo quando a ofensa atinge uma coletividade indeterminada de indivíduos, discriminando toda a integralidade de uma raça. É diferente, por exemplo de injúria racial, prevista na Lei 7.716/1989, que consiste em ofender a honra de um indivíduo valendo-se de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem. Ao contrário da injúria racial, o crime de racismo é inafiançável e imprescritível.
Os coletivos que defendem a diversidade e estão cobrando uma atitude punitiva por parte da UFABC se reuniriam com a Reitoria da UFABC nesta sexta-feira (27) para tratar dos próximos passos. Em nota, a instituição disse que vai abrir uma sindicância para identificar e punir os responsáveis.
Abaixo, a carta aberta do coletivo Prisma Diversidade apontando as falhas de conduta no processo. A carta foi divulgada em redes sociais do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da universidade:
Confira nota da UFABC na íntegra divulgada para imprensa e para os alunos nesta quinta-feira:
Recebemos consternados a informação de que nossos edifícios foram novamente cenário de manifestações preconceituosas, racistas e criminosas. Já é de conhecimento de todos, mas é importante reforçar que a Universidade Federal do ABC estabelece e defende desde a sua fundação um ambiente plural e democrático, no qual não há espaço para afirmações que afrontem a ética e a dignidade humana. Diante disso, repudiamos qualquer manifestação de preconceito e intolerância, dentro ou fora de nossos campi. Em face da recorrência de tais ações, ressaltamos que a responsabilidade sobre atos dessa natureza serão apurados interna e externamente, visando à punição dos autores. Como primeira atitude, isolamos o local do crime e formalizamos o Boletim de Ocorrência no 2º D.P. São Bernardo do Campo. Até que seja realizada a perícia, o local permanecerá inacessível. Além disso, iniciaremos hoje mesmo uma sindicância interna para apuração de responsabilidade. Identificado(s) o(s) autor(es) de tais atos, serão aplicadas as sanções cabíveis para casos de crime de racismo e contra patrimônio público. Quando processados e julgados na esfera penal, esses crimes podem gerar reclusão de um a três anos e multa (para o crime de racismo, conforme art. 20 da Lei 7.716/89 e crime de injúria racial, conforme art. 140, §3° do Código Penal) e detenção de um a seis meses ou multa (para crime contra o patrimônio, conforme artigo 163 do Código Penal). Lamentamos profundamente que, no intervalo de uma semana, nossa comunidade tenha de assistir à manifestações tão deploráveis, como a realizada na noite de ontem e na última quinta-feira, dia 12 de novembro. A Universidade não pode e não irá admitir comportamentos destoantes dos valores que acreditamos formar o cerne da nossa comunidade: transparência, respeito, diversidade e compromisso com a construção do saber e da formação de cidadãos responsáveis. Reitoria |