São Paulo e outras capitais brasileiras registraram atos em homenagem ao congolês assassinado brutalmente em um quiosque do Rio de Janeiro
Diversas capitais brasileiras tiveram atos em homenagem e pedindo por justiça pela morte do jovem congolês Moïse Kabagambe, neste sábado (05/02). Em São Paulo, a manifestação ocupou a avenida Paulista, na região central da cidade, e trouxe à tona denúncias de más condições de trabalho e violências sofridas pela população africana no país.
Os protestos acontecem menos de duas semanas depois da morte do refugiado da República Democrática do Congo, que foi espancado até a morte após cobrar por seus dias de trabalho em um quiosque na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro.
Para o angolano Rodriguez Pedro Manoel, de 48 anos, esse crime brutal que vitimou Moïse escancara a violência e precariedade no trabalho que os imigrantes de países africanos enfrentam no Brasil.
“Nós somos trabalhadores e fugimos para cá em busca de condições melhores de vida, mas quando chegamos aqui somos tratos mal e não conseguimos empregos que somos qualificados suficientes para exercer”, diz Manoel.
O angolano está no Brasil há 10 anos, e sempre atuou como garçom, no entanto, as oportunidades de emprego ficaram mais escassas com a pandemia, e ele entrou para a fila do desemprego. Além da falta de serviço, Manoel ressalta que fica com mais medo ainda por causa da violência que hoje está amplamente divulgada com o caso do congolês simbolizando.
O auxiliar de cozinha Daniel Vulvu, de 24 anos, compartilha da mesma indignação de seu compatriota, Manoel. “Aqui eu encontrei a oportunidade de emprego que precisava, mas o tratamento conosco não é igual a outras pessoas, e precisa acontecer acontece algo de ruim de grande impacto, como o caso do Moïse, para ver que essas condições fazem parte do nosso dia a dia”, conta.
“Não podemos falar de toda a nação, mas nós temos que repudiar isso que aconteceu para que as pessoas tenham noção de que o que fizeram é maldade e nós não podemos ser tratados desse jeito”, complementa Vulvu, que vive no Brasil há três meses e trabalha em um restaurante em São Paulo.
Durante a manifestação, imigrantes falaram sobre a preocupação que têm de sofrer violência no Brasil. A angolana Jordânia Antonica, de 28 anos, ressalta que o sentimento da população africana hoje é de “medo e tristeza”, o que motiva a luta por justiça e dignidade. O mesmo diz Ever Panda, de 35 anos, e que também é da República Democrática do Congo, como Moïse: “O sentimento agora é de tristeza, e nós só queremos justiça. Com essa manifestação, conseguimos mostrar para todo mundo a injustiça que aconteceu com nosso irmão”.
Congolês desaparecido
A manifestação na avenida Paulista também apresentou denúncias de casos concretos da violência praticada contra africanos no Brasil. Em uma das intervenções no som que levava as falas do ato, o angolano Paulo Gomes Kumbo, de 36 anos, líder da Associação de Imigrantes pela Integração Comunitária em São Paulo, apresentou a foto de um congolês que está desaparecido há quatro meses.
Segundo informações de Kumbo, que é morador de uma ocupação no centro da capital paulista, o congolês conhecido como Celeo, de 52 anos, que é morador do mesmo prédio ocupado, sumiu em condições estranhas. “Ele não sumiu sozinho. Temos certeza que alguém pegou ele, e eu acredito que já está morto”, disse.
Kumbo ressalta que Celeo estava desempregado há cerca de um ano, e não era uma pessoa de ficar fora de casa. “Ele nunca saía da ocupação, e algumas pessoas não gostava dele por causa das brincadeiras que ele fazia com brasileiros”, conta. Ainda de acordo com o angolano, o congolês veio para o Brasil há cerca de seis anos e, antes de ficar desempregado, trabalhava em uma empresa de limpeza.
Tensão e apoios
A manifestação começou por volta das 10h no vão livre do Masp, e rapidamente ocupou a via sentido rua da Consolação. Enquanto estava parado em frente o Masp, diversos imigrantes de países africanos, da Bolívia e da Palestina, dividiram espaços de falas com políticos como Erica Hilton (PSOL) e Eduardo Suplicy (PT). Outras personalidades também marcaram presença do ato, como os cantores Chico César e Don L.
“Quando eu vi a notícia fiquei indignado, porque é a confirmação do que a gente conhece como projeto do Brasil, que vem desde o colonialismo, passando pela ditadura militar, e que a gente não resolveu ainda. Por isso que é importante a gente estar nesse ato e colocar nossas pautas de refundação de um novo país”, disse o rapper Don L.
Quando parecia que o ato estava chegando ao fim, por volta das 13h30, os manifestantes começaram a caminhar pela avenida Paulista com objetivo de ir para a praça da República, no centro histórico de São Paulo. No entanto, quando chegou na esquina com a rua da Consolação, onde o grupo usaria a via para ir ao destino final, a Polícia Militar interveio para impedir.
O clima, então, ficou tenso e alguns manifestantes queriam seguir o percurso mesmo sem a autorização da PM. Após cerca de meia-hora de negociações, e muitas pessoas irem embora do ato, o grupo decidiu voltar para o Masp usando a via oposta (sentido Paraíso).
Quando chegou novamente no Masp, de novo o clima de tensão tomou conta, e chegou a ter um princípio de tumulto entre o grupo que protestava e policiais militares. A situação voltou a se acalmar quando o pequeno grupo que permaneceu no ato, composto principalmente por angolanos, chegou a um acordo com a PM para seguir a caminhada para o centro usando apenas a calçada da rua Augusta.
Assim o grupo seguiu e finalizou na praça da República. Na avaliação da ativista negra Tati Nefertari, a manifestação conseguiu mostrar para a população africana que existe apoio no país. “A gente veio para rua denunciar a morte de uma pessoa que não é ouvida no Brasil, ninguém liga para a população preta, muito menos a população que vem do continente africano. Esse protesto mostra para a comunidade africana que nós apoiamos eles e estamos juntos”.
O ato acabou em frente ao Masp por volta das 14h45, e pouco antes das 16h, o pequeno grupo que continuou até a praça da República finalizou a homenagem ao congolês.