Presidente da República participou de manifestação em Brasília, na manhã deste 1º de maio. O pré-candidato da esquerda discursou à tarde, em São Paulo, com apoio das centrais sindicais
Separadas por apenas três quilômetros de distância, manifestações pró-Lula (PT), pré candidato à presidência pela esquerda, e pró-Bolsonaro (PL), em busca da reeleição, marcaram o Dia do Trabalhador em São Paulo. Para tentar evitar conflitos entre os dois grupos, 800 policiais militares foram destacados para o policiamento. O número de participantes nos dois eventos não foi divulgado pelas autoridades.
Na praça Charles Miller, em frente ao estádio do Pacaembu, na zona oeste, a concentração dos apoiadores do ex-presidente Lula teve início por volta das 10h. Um palco foi montado para discursos dos apoiadores do petista. Na avenida Paulista, o tráfego de veículos foi fechado às 13h para que a via fosse ocupada pelos bolsonaristas, na altura do Masp (Museu de Arte de São Paulo).
Na Charles Miller, entre falas de sindicalistas em defesa dos direitos dos trabalhadores, acontecem shows de artistas como Leci Brandão, Francisco El Hombre, Daniela Mercury, Dexter e DJ KL Jay, do Racionais MC’s. Ali, o vermelho é a cor predominante nas roupas e bandeiras empunhadas pelos manifestantes. Na Paulista, o verde e o amarelo dominam. Em comum, os dois eventos têm a clara conotação política. Pela lei, campanha eleitoral só pode acontecer a partir de 16 de agosto.
Inicialmente, a fala do ex-presidente Lula estava prevista para acontecer ao meio-dia. Depois, às 14h, mas ele só falou perto das 16h.
Em Brasília, o presidente Bolsonaro esteve pela manhã em uma manifestação organizada por seus apoiadores, no gramado em frente ao gramado do Congresso Nacional, mas não se pronunciou. Como sempre acontece em manifestações bolsonaristas, os seguidores do presidente levaram cartazes contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e usaram carros de som para pedir intervenção militar.
Na manifestação dos governistas em São Paulo, participantes carregam cartazes pedindo a volta do AI-5 (Ato Institucional Nº 5), uma das ações mais duras da Ditadura Militar, instaurado em 1968, e que deu poderes ilimitados ao então presidente do Brasil, inclusive para censurar a imprensa. O evento na Paulista é chamado de “Pela Liberdade. Pelo Brasil” e também defende a volta do voto impresso no país.
O recente perdão de Bolsonaro ao deputado federal Daniel Silveira (PTB), condenado pelo STF a oito anos e nove meses de prisão por estimular atos antidemocráticos e ameaçar instituições, também foi pauta na manifestação dos governistas em Brasília e na avenida Paulista.
Pela manhã, Silveira falou durante uma manifestação para apoiadores de Bolsonaro em Niterói, região metropolitana do Rio de Janeiro. Em Copacabana, na capital fluminense, ele defendeu que a população se arme cada vez mais.
“Eu tô armado e sempre vou estar armado. Quem aqui estiver armado não é bandido, não. Aqui, todo mundo quer se proteger, todo mundo quer ser livre. E é isso que o presidente prega e é isso que o povo brasileiro quer”, declarou Silveira, em Copacabana, em cima de um carro de som.
Praticamente ao mesmo tempo em que o deputado Silveira pregava no Rio de Janeiro o armamento da população, Antonio Almeida Ribeiro, 45 anos, na praça Charles Miller, em São Paulo, explicava os dois motivos de ter ido ao ato da esquerda: trabalhar e protestar contra o desemprego. Pai de cinco filhos, há dois anos, Ribeiro perdeu o emprego de limpador de prédios, com carteira assinada, e se viu obrigado a passar a ganhar a vida como vendedor ambulante.
“Tá feio o negócio, muito feio mesmo. Muita gente tava trabalhando [com carteira assinada] e agora tem que optar pra isso aí que você está vendo [trabalho informal], todo mundo trabalhando como marreteiro. Negócio está muito difícil mesmo. Muita gente passando necessidade, fome. A única esperança que temos é o Lula. Me mandaram embora. O prédio terceirizou os funcionários. Então, toda vez que tem evento, vou trabalhar”, disse Ribeiro, ao lado da filha Thayane.
“Então, antes vivi um bom tempo de cesta básica. A igreja que me ajudava, mais ou menos nesses dois anos de pandemia. Depois, optei pra trabalhar na rua. Aí, agora, estou me virando. Torço para que de certo tudo ai, que esse cara [Jair Bolsonaro] saia do governo”, concluiu Ribeiro.
Integrante de uma ala progressista da torcida do São Paulo Futebol Clube, o também vendedor ambulante Almir Nascimento, 28 anos, foi à manifestação da esquerda para prestar solidariedade aos trabalhadores do Brasil. “Tudo o que tem acontecido de ruim, com certeza, é fruto do capitalismo bem avançado. É um governo bem autoritário. Em outros países o agravamento do capitalismo também se mostra, como na Turquia, lá também os trabalhadores sempre estão nas ruas. Países como que têm governo como o nosso estão cada vez mais sofrendo com esse modo deles de operar”, analisou Nascimento.
“Com a pandemia, piorou bastante. Fiquei um tempo sem trabalhar também, mas como moro sozinho e consegui o auxílio, ajudou um pouco, ajudou um pouquinho. Essa troca de benefícios do Bolsa Família para o Auxílio Brasil foi política mesmo. Não ajudou os mais necessitados, muitas pessoas ficaram de fora. Acho injusto. O auxílio emergencial também não foi um valor assim que pudesse ajudar muito o trabalhador. E parece que vai ser só até o fim do mandato dele [Bolsonaro], né? Acho que foi mais política mesmo, essa jogada”, continuou o vendedor ambulante são paulino.
A agente educativa Erica Vicheti Cândido, 39 anos, saiu da Vila Matilde, na zona leste de São Paulo, para protestar contra o governo de Bolsonaro por entender que ele prejudica a classe trabalhadora e também por ser contra a redução da maioridade penal, o que vê como algo possível em uma possível reeleição dele.
“A gente está muito preocupado com a questão da maioridade penal. O Bolsonaro tenta implementar essa lei. Acho eles [jovens em conflito com a lei] ainda não têm a mente totalmente formada. Se a maioridade penal for reduzida para 16 anos, os jovens que hoje estão na Fundação Casa irão paras prisões de adultos e se envolverão com quem cometeu delitos mais graves. Isso vai piorar a mentalidade dos meninos novos, eles sairão piores do entraram. A cadeia não educa ninguém, ela só piora a situação dos encarcerados”, disse a agente educativa Erica.
O professor Guilherme Boulos (PSOL), um dos apoiadores do ex-presidente Lula à Presidência da República, defendeu abertamente a derrota de Bolsonaro na eleição deste ano. “Não tenham dúvida que nós vamos derrotar o fascismo e vamos vencer. Que esse seja o último 1º de maio com o miliciano na presidência do Brasil. O último 1º de maio com a vigência de uma reforma trabalhista criminosa. Nós sabemos vai ser uma guerra, eles vão usar todos os meios, fake news, grana, baixaria, ataque de ódio e nós vamos usar os nossos meios: organização e mobilização. A partir de hoje a gente inicia uma grande campanha nos quatro cantos desse país”, disse Boulos.
Pouco depois da manifestação de Boulos, o ex-presidente Lula subiu ao palco da Charles Miller e, após deixar claro que ainda não falava como candidato à presidência, lembrou da vereadora Marielle Franco (PSOL), assassinada em março de 2018, ao lado do motorista Anderson Gomes, no Rio de Janeiro.
“Vocês já viveram comigo nas lutas e vocês sabem como era fácil conversar. Esse atual dirigente que eu chamo de fascista, que eu chamo de genocida, ele nunca reuniu os dirigentes sindicais, ele nunca reuniu os governadores, ele nunca reuniu os prefeitos, ele nunca reuniu os movimentos sociais, portanto, este cidadão, ele só governa para os milicianos dele e alguns inclusive, quem sabe, com responsabilidade pela morte da Marielle. A gente quer saber quem é essa pessoa que mandou matar a Marielle”, disse Lula.
Entre rezas e recitações do hino nacional, o final da tarde na Avenida Paulista foi marcado pela presença do deputado federal Daniel Silveira, que conclamou seus apoiadores a votarem em Bolsonaro nas eleições deste ano. O parlamentar ainda disse que o perdão de Bolsonaro foi dado ao Brasil.
“Eu estava no local certo, na hora certa, mas esse decreto é para vocês. Quem aqui tem esperança de liberdade?”, questionou. “Eu sou apenas uma pessoa que representa vocês enquanto parlamentar, isso tem que ser respeitado. Nunca dobrem os joelhos perante atrocidades e arbitrariedades.”
Durante a manifestação, ex-policiais aposentados da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) exibiam a primeira viatura da tropa mais letal e antiga da PM paulista. O carro foi cedido pela PM para a participação no ato. Segundo reportagem da Ponte, em 2019 a Rota matou 98% a mais quando comparado com 2018: 101 civis, conforme relatório da Ouvidoria da Polícia de São Paulo. Mas, ainda assim, civis tiravam fotos e parabenizavam os representantes da corporação.
Trabalhando desde o início do ato na Paulista, o vendedor de camisetas e bandeiras do Brasil Elvis Oliveira Souza, 32 anos, é um fiel apoiador do presidente, mas não soube responder qual era a pauta da manifestação. “Sendo sincero não sei. Sigo o Bolsonaro, pode ter motociata, manifestação, carreata, no que tiver do Bolsonaro, eu vou”, afirmou, orgulhoso.
Vendedor há 10 anos e pai de duas filhas, Elvis nunca procurou trabalho formal. “Na pandemia peguei o auxílio e me ajudou, não trabalho registrado, nunca procurei, meu negócio é venda.”
Carregando um filho pequeno nos braços, a empreendedora Ana Paula Garces, 35 anos, se dirigiu até a Avenida Paulista em nome da liberdade. “O Brasil tem se saído em primeiro e segundo lugar no ranking da economia, eu acho que se todo mundo tivesse a oportunidade de lutar a favor do Brasil, da liberdade econômica, de mercado, seria muito melhor. O Brasil tem tudo para ser uma grande potência. Só precisa que pessoas que tenham o sentimento patriótico e fiquem a favor do governo.”
Apesar da crise socioeconômica, ela diz que o Ministro da Economia, Paulo Guedes, tem se saído bem e que alta nos preços e a perda do poder de consumo da população são frutos das medidas sanitárias adotadas na pandemia da Covid-19. “O que dificultou muito a vida das pessoas foi o fique em casa. A gente não pode reclamar que tudo está caro hoje, se o povo tivesse ido para rua trabalhar, com certeza o cenário teria sido outro. Eu acho sim, que a gente tem se saído bem e o presidente e seus ministros têm feito um bom trabalho.”
Sentado em uma cadeira de praia em uma calçada na avenida, junto da família, o consultor de comércio exterior Humbertho Gois, 40 anos, disse que o Dia do Trabalhador foi roubado pela esquerda. “O pessoal aqui no Brasil acreditava muito no que a Globo vendia e acordou com as redes sociais e a oportunidade de todo mundo se expressar, não só o lado da esquerda, mas o lado da direita também foi importante.”
Ao mesmo tempo, ele afirmou que saiu de sua casa para se manifestar em busca da liberdade de opinião que não vê nos veículos de imprensa. “Vejo que somente um lado tem a voz divulgada e a gente precisa estar expressando o lado contrário, o que não é mostrado pela mídia tradicional. Eu acho que a única empresa que mostra alguma coisa diferente hoje, no Brasil, é a Jovem Pan. E o Twitter, que hoje tem um posicionamento de liberdade de expressão.”
Na visão do consultor, o governo faz o que pode dentro das possibilidades. “O governo fez até muito mais do que podia ser feito. A questão da vacina foi politizada, a informação da mídia não foi correta. O fechamento não teve efeito nenhum. Ninguém sabia na realidade o que podia ser feito de concreto que fosse contribuir.”
Na mesma linha, a assistente de importação e esposa de Humbertho, Luciana Gois, 49 anos, avalia como equivocadas as medidas de isolamento social adotadas por alguns governadores durante a pandemia. “Eu tive a oportunidade de trabalhar na pandemia da minha casa, com o computador que a empresa disponibilizou, mas o ambulante, o pessoal que trabalhava na rua, não teve essa oportunidade. Eles perderam muito.”
Aposentada, Maria Aparecida de Oliveira, 72 anos, declarou que é contra a repressão e censura e concorda com o perdão dado para Daniel Silveira e o compara com o refúgio dado ao italiano Cesare Battisti por Lula, em 2010.
Em 2020 o ex-presidente disse se arrepender de ter negado a extradição do italiano . “Acho muito bom porque se o outro presidente pode dar graça para um bandido italiano, por que não fazer para o Daniel? Ele, quando xingou, se exaltou, mas ele tinha uma imunidade parlamentar. Então, tem que cumprir a constituição. Eu sou a favor do Brasil, sou a favor do presidente, porque tem que andar nas quatro linhas da constituição.”