‘Quero perguntar por que os PMs fizeram isso’, diz irmão de jovem morto a pauladas

    PM Jefferson Alves, conhecido como ‘Negão da Madeira’, por suposto hábito de espancar jovens da periferia com pedaço de pau, é um dos acusados pela morte de Gabriel Paiva, 16

    Roger no enterro do irmão Gabriel, em 22 de abril | Foto: Daniel Arroyo/Ponte

    Três testemunhas da morte do adolescente Gabriel Alberto Tadeu Paiva, 16 anos, morto a pauladas em abril deste ano, participaram da audiência de interrogatório e debates na tarde desta terça-feira (07/11), no Fórum Criminal da Barra Funda, zona oeste.

    Dos quatro policiais militares que participaram da ocorrência, dois estão presos preventivamente no Presídio Militar Romão Gomes desde o dia 19 de maio: Thiago Quintino Meche e Jefferson Alves de Souza. Os PMs são  acusados de espancar Gabriel com um pedaço de madeira, na madrugada de 17 de abril deste ano, na Vila Missionária, zona sul. O jovem morreu quatro dias depois, após ficar internado no Hospital Regional Sul.

    Uma das pessoas ouvidas ontem na audiência foi Roger Luiz Paiva dos Santos, 22 anos, irmão de Gabriel. Ele chorou e disse que seu principal desejo é “ficar de frente com os PMs para perguntar por que fizeram isso”.

    Além do irmão, Nicolas Casais Pereira, 17, amigo de Gabriel, e o PM Gabriel de Souza Ferla, que patrulhava a região junto com os réus e levou o adolescente para o hospital, foram ouvidos. Ainda estava programado o depoimento de Zilda Regina de Paiva, mãe de Gabriel, mas foi dispensada.

    De acordo com moradores da região onde Gabriel teria sido espancado, o PM Jefferson é conhecido como “Negão da Madeira”, por ter o costume de andar com um pedaço de pau na viatura para espancar os jovens que ficavam na rua fumando narguilé. Ele nega.

    Gabriel Paiva, morto aos 16 anos de idade | Foto: Arquivo pessoal

    Em depoimento à juiza Débora Faitarone, da 1ª Vara do Juri, Roger afirmou que estava com irmão e o amigo Nicolas famando narguilé, no bar da mãe deles, minutos antes de Gabriel ser espancado.

    Por volta das 23h, ainda segundo depoimento do irmão, Gabriel e Nicolas decidiram ir à uma tabacaria próxima ao bairro onde moram. Roger iria em seguida, pois esperaria uma prima.

    Minutos depois, quando foi em direção à tabacaria, Roger afirma que encontrou com Nicolas, que havia se perdido de Gabriel. Outro jovem teria aparecido pouco depois, informando Roger que o adolescente havia apanhado. Os amigos viram uma viatura passar com manchas de sangue, e foram até o Hospital Geral da Pedreira para confirmar se era mesmo Gabriel.

    Em seu depoimento, Nicolas disse que os abusos de policiais na região eram comuns. “Todo mundo conhecia o ‘Negão da Madeira’. Ele nunca andava de dia, só à noite, e nunca abordava pedindo documentos e perguntando o nome. Sempre chegava batendo.”

    Nicolas e Roger contaram que o PM Jefferson gostava de mostrar poder e mandar na região onde atuava antes de ser preso. “Ele não gostava que a gente ficava fumando narguilé, então já chegava batendo”, afirmou o irmão de Gabriel.

    Roger ainda compartilhou outro problema que havia tido com PMs antes da morte do irmão: “#u morava com a minha namorada, tava tendo um som em casa, e ele [PM Jefferson] disse que na próxima vez [que fosse atender ocorrência sobre som alto] me jogaria da laje”.

    De acordo com os jovens, no dia da ocorrência com Gabriel não houve baile funk na região, mas a rua estava cheia devido a uma festa que acontecia. Roger acredita que o motivo da violência do PM Jefferson contra Gabriel foi por ter “ficado bravo porque outra pessoa deu fuga nele”.

    Defesa

    Única testemunha de defesa ouvida nesta audiência, o PM Ferla disse conhecer o policial Jefferson há mais de dois anos, e afirmou desconhecer o apelido de ‘Negão da Madeira’.

    Soldado Jefferson está preso desde maio | Reprodução

    Em seu depoimento, Ferla disse que estava em patrulhamento na região, dirigindo sua viatura, acompanhado do PM Jefferson, que dirigia outro carro, na região da Vila Missionária, horas depois de dispersarem um baile funk.

    Segundo o militar, em dado momento, na rua Pontes de Morais, o PM Jefferson seguiu em direção oposta à sua viatura. Pouco depois, quando os dois voltaram a se encontrar, apareceu uma pessoa pedindo para socorrer um jovem.

    Ainda segundo Ferla, as duas viaturas pararam pouco antes da esquina onde Gabriel estava no chão – ensanguentado e inconsciente – e os dois condutores das viaturas (ele e Jefferson) foram prestar socorro, enquanto os PMs Meche e Ronaldo Pinfildi Júnior ficaram na segurança das viaturas.

    O policial caiu em contradição acerca do que havia sido informado sobre a ocorrência. No primeiro momento, quando questionado pela juíza Faitarone, Ferla disse não lembrar o que dissera sobre a ocorrência. Pouco depois, estimulado pelo advogado da defesa de Jefferson, Conrado Formicki, o PM disse que “o irmão ou o amigo falou que Gabriel tinha problema de visão e tava correndo da polícia”. Roger e Nicolas não confirmam essa versão.

    Quando mudou seu depoimento, a juíza questionou: “Por que quando eu perguntei o senhor disse não lembrar e agora lembrou? O senhor não tem certeza de tudo que está falando?”

    ”Tem coisa que a gente não lembra”, respondeu o PM Ferla.

    Depois dos depoimentos, o advogado do PM Meche, Renato Soares do Nascimento, pediu a revogação da prisão temporária de seu cliente.

    Em entrevista à Ponte, Nascimento disse que “no momento dos fatos, Meche, comprovadamente pelas testemunhas, estava na viatuara”.

    O defensor ainda destacou que Meche é o único PM que não foi reconhecido por Roger, e a testemunha de defesa apontou que seu cliente sequer se envolveu no socorro ao adolescente.

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