Áudios de Paraisópolis não inocentam PMs, afirma promotor

    Hidejalma Muccio foi o responsável por denunciar 14 PMs da Rota que, em 2015, manipularam áudios do Copom para encobrir duas execuções em SP

    Grafite na viela onde aconteceu o massacre de Paraisópolis | Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo

    Os áudios do Copom (Centro de Operações da Polícia Militar) divulgados ontem pela TV Globo mostram que policiais militares em Paraisópolis, zona sul da cidade de São Paulo, mencionaram a perseguição a uma motocicleta pouco antes do tumulto que terminou em nove mortes, na noite de 1º de dezembro, mas não isentam os PMs de responsabilidade pelas mortes. Quem afirma é o promotor de justiça Hidejalma Muccio, do Tribunal de Júri do Ministério Público Estadual de São Paulo.

    Muccio sabe do que está falando. Em 2015, denunciou 14 PMs da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), a tropa mais letal da PM paulista, por forjar comunicações enviadas ao Copom para encobrir dois assassinatos. Segundo o promotor, os áudios isoladamente não são capazes de provar nada.

    “Um áudio indicando uma perseguição não significa necessariamente a existência da perseguição e nem que ela de fato tenha sido desencadeada de forma legítima. Um policial mal intencionado pode usar isso para se precaver da eventualidade do levantamento de alguns dados”, afirma em entrevista à Ponte. Para comprovar que a perseguição realmente ocorreu, como alegam os policiais, é necessário reunir outras provas além dos áudios, como filmagens de câmeras de vídeo e depoimento de testemunhas.

    O promotor também aponta que, mesmo que seja verdadeira a versão dos policiais, de que perseguiram dois homens numa motocicleta que atiraram contra eles e depois se misturaram aos frequentadores do baile funk da DZ7, dando início ao tumulto que terminou em massacre, nada disso isenta a PM de responsabilidade pelas nove mortes. “Não muda nada. Ou melhor, diria que agrava. Pouco importa saber se houve perseguição ou não houve, saber se a perseguição era legítima ou não era legítima. Jamais a polícia poderia entrar naquele local, com aquela quantidade de gente, colocando em risco a vida daquelas pessoas, com a justificativa de prender criminosos”, diz.

    Áudios falsificados

    Em 6 de agosto de 2015, segundo a denúncia do MPE, 14 PMs da Rota participaram de uma armação envolvendo uma falsa comunicação ao Copom. A denúncia conta que os PMs abordaram Herbert Lúcio Rodrigues Pessoa em Guarulhos (Grande SP) e o levaram para Pirituba, zona oeste da capital paulista, onde o executaram, junto com Weberson dos Santos Oliveira. As vítimas nunca tinham se visto na vida.

    Ainda, de acordo com a denúncia, a Rota plantou duas armas na cena do crime: uma pistola .40 furtada do 3° DP de Diadema (Grande SP), e um revólver calibre .32, extraviado da Delegacia de Ribeirão Pires, no interior do estado, além de colocar explosivos, na tentativa de indicar que os suspeitos faziam parte de grupo criminoso.

    Testemunhas relataram terem visto Hebert Lúcio Rodrigues Pessoa ser abordado pelos policiais em Guarulhos e ser colocado no camburão de uma viatura. Weberson teria sido pego em Pirituba.

    Na versão dos policiais, eles haviam iniciado uma perseguição, os suspeitos teriam atirado, obrigando o revide. Áudios da comunicação do Copom sustentavam a versão, conforme documento obtido pela Ponte.

    Na versão dos PMs, a equipe da viatura 91.210 informou à central que um dos suspeito disparou às 13h40, na Avenida Doutor Felipe Pinel, em Pirituba. “Indivíduo armado efetuou disparo contra equipe, os dois indivíduos se evadiu [sic] pelo mato, Copom”, relatam. Outra viatura da Rota, de número 91.292, e uma viatura de batalhão da área teriam participado da perseguição.

    Depois, um novo aviso ao Copom é feito pelo comando da Rota. “Tentativa de abordagem a um veículo, três indivíduos resistiram a abordagem sendo que dois efetuaram disparos contra a equipe e o terceiro se evadiu na região de mato aqui no QTH [no local], QSL [entendido]?”, informou. “Pelo local, socorro médico constatou óbito de dois criminosos e o terceiro permanece as varreduras e as buscas com vistas ao indivíduo, pode liberar a rede”, prossegue o policial.

    O promotor destaca a importância que as imagens de uma câmera de rua tiveram para refutar a versão. “Eles vieram de Guarulhos dirigindo o carro da vítima e sob escolta das viaturas da Rota. Uma câmera registrou a passagem do carro da vítima com as viaturas em velocidade baixa, tranquila, sem qualquer perseguição, uma movimentação normal”, explicou o promotor, que destacou a série de manipulações que os policiais fizeram. “Eles forjaram o local do crime, o armamento que introduziram no veículo para dizer que eram das vítimas, forjaram que as vitimas estavam juntas, enfim, uma situação absurda”, prosseguiu.

    Os policiais militares envolvidos nas duas mortes são Luis Gustavo Lopes de Oliveira, Erlon Garcez Neves, Renato da Silva Pires, Moisés Araújo Conceição, Luiz Fernando Pereira Slywezuck, Emerson Bernardes Heleno, Tiago Belli, Marcelo Antonio Liguori, Elias Sérgio da Câmara, Eduardo de Oliveira Rodrigues, Leandro Augusto de Souza, Marcos Gomes de Oliveira, Arthur Marques Maia e Tiago Santana Oliveira.

    Muccio denunciou todos eles e lamenta que estejam respondendo pelos homicídios em liberdade. “A prova é clara nesse sentido. Uma prova límpida que não deixa dúvida”, afirmou.

    Eles respondem pelo crime de homicídio doloso (com intenção de matar). Em primeira instância, a Justiça de SP havia rejeitado a denúncia, depois o MPE recorreu e, nesse momento, os policiais respondem em liberdade ao processo que ainda está em fase de instrução.

    A Ponte procurou as assessorias de imprensa da Secretaria da Segurança Pública e da PM da gestão João Doria (PSDB) para questionar a respeito do massacre de Paraisópolis e das mortes da Rota em 2015. Com relação ao massacre deste ano, a SSP se limitou a dizer, por telefone, que as circunstâncias das mortes seguem sendo investigadas pelo DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) da Polícia Civil de São Paulo. Com relação ao caso denunciado pelo promotor Hidejalma Muccio em 2015, a SSP-SP e a PM não se pronunciaram.

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