Na região, duas mortes foram registradas neste ano, contra 20 em 2024. Especialista aponta mobilização popular como fator importante para queda

Janeiro de 2024 jamais será esquecido para as famílias de Jefferson Ramos Miranda, de 37 anos, e Leonel Andrade Santos, 36. Amigos de infância, eles foram mortos durante a Operação Verão daquele ano — definida por especialistas ouvidos pela Ponte como uma ação de vingança. Naquele mês, 59 pessoas foram mortas pela polícia em todo o estado de São Paulo. Agora, com uma operação parecida em vigor, mas sem o mesmo princípio de vingar a morte de agentes, o número caiu 35%, com 38 registros. A queda foi puxada pela Baixada Santista, região onde ocorreu a maioria das mortes no início do ano anterior.
Considerando apenas os municípios da Baixada — Bertioga, Cubatão, Guarujá, Itanhaém, Mongaguá, Peruíbe, Praia Grande, Santos e São Vicente — foram registradas duas mortes em janeiro deste ano. Em 2024, foram 20, o que representa uma queda de 90%.
As mortes registradas neste ano naquela região ocorreram em São Vicente e Cubatão e, em ambos os casos, policiais militares foram os responsáveis. Em Cubatão, um PM estava de folga e contou ter sido abordado por dois homens em uma moto na Via Anchieta. O agente teria disparado após ter um simulacro apontado contra si. Não há ligação do caso com a Operação Verão.
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Antes do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) e seu secretário de Segurança Guilherme Derrite, a operação se restringia a reforçar o policiamento na Baixada Santista durante o verão — período em que a região costuma receber mais turistas. No entanto, após as mortes dos policiais Marcelo Augusto da Silva, 28, do 38º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano (BPM/M), em Cubatão, no dia 26 de janeiro, e do soldado Samuel Wesley Cosmo, 35, das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), força especial da PM, em 2 de fevereiro, na cidade de Santos, a ação policial ganhou novo rumo.
Ao todo, 56 pessoas foram mortas no âmbito da operação em três meses. A Ponte contou diversas histórias de vítimas e trouxe denúncias de moradores da região sobre abordagens truculentas e invasão de casas.
Uma delas foi dos amigos Leonel e Jefferson que moravam no Morro São Bento, em Santos. Com frequência, a dupla se encontrava pelas ruas do bairro para conversar. Foi o que fizeram na noite de 9 de janeiro de 2024. O encontro rotineiro terminou com os dois baleados e mortos por policiais militares. A investigação sobre as mortes acabou arquivada pela Ministério Público de São Paulo (MP-SP).
Mobilização popular
Para Dennis Pacheco, mestre em Ciências Humanas e Sociais pela Universidade Federal do ABC (UFABC) e pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), a queda no número de mortes pela polícia é resultado da mobilização popular.
“Esses números são o resultado da mobilização da sociedade civil, tanto da imprensa quanto dos movimentos sociais, das organizações da sociedade civil, no sentido de que existia um movimento muito claro por parte do governo de investir na letalidade policial como plataforma eleitoral já desde o período das eleições, desde antes do governador ser eleito de fato”, diz.
Desde novembro do ano passado, com a morte do menino Ryan Silva Andrade Santos, 4, o número de denúncias envolvendo ações violentas e ilegais da polícia tomou as manchetes. Em Santos, a família da criança fez pelo menos três protestos cobrando pelo avanço das investigações. Também foram registrados protestos em Bauru e Itu, cidades onde familiares também denunciaram casos de abuso.
O pesquisador afirma que a redução não é um fato a ser comemorado, mas que ela denuncia a gravidade do estado de coisas no momento da implementação das operações policiais em São Paulo.
Pretos e jovens
A maioria das mortes em janeiro aconteceu durante o expediente dos policiais — momento em que há um maior controle do Estado sobre as ações dos servidores. Das 38 mortes, 29 foram cometidas no decorrer do trabalho. Essa é uma constante registrada em toda a série histórica disponibilizada pela SSP-SP.
Negros — classificação que considera pretos e pardos conforme faz o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)— foram 18 das 38 vítimas de janeiro. Todos os mortos eram homens com idade entre 17 e 48 anos. Dois deles eram adolescentes.
Os casos envolvendo adolescentes ocorreram em São Paulo e Poá nos dias 12 e 31, respectivamente. Os policiais militares que mataram estavam de folga.
Queda nos homicídios
O número de vítimas de homicídios dolosos foi o menor em toda a série histórica disponível (partindo de 2013). Em nota divulgada no site da instituição, a Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP) diz que o número é o menor desde 2001.
Para a pasta, a queda aconteceu porque foram aperfeiçoadas políticas públicas e os sistemas integrados de comando e controle, sem especificar de quais mecanismos estava falando.
Dennis fala que a queda nos homicídios é um acontecimento histórico e já bastante perene. Não há, de acordo com o pesquisador, um movimento de aceleração ou desaceleração nos números. “Essa atribuição a uma política pública específica, a um governo específico, é bastante difícil de fazer”, avalia.
“A queda está se mantendo estável ao longo do tempo, no caso do Brasil, mas especialmente no caso de São Paulo, as reduções das taxas de homicídio estão associadas a diversos fatores, inclusive à própria dinâmica dos grupos criminosos”, completa Dennis.
Abuso
Como consequência da queda de mortes pela PM e da redução nos homicídios, houve uma redução na proporção entre os dois indicadores. Essa é uma das formas que a literatura especializada e pesquisadores utilizam para medir a violência policial e saber se há ou não abusos: comparar as mortes pela polícia com os dados de homicídios dolosos.
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Estudos do sociólogo Ignacio Cano consideram que a proporção ideal é de no máximo 10% de mortes pelas polícias em relação ao total de homicídios, enquanto o pesquisador Paul Chevigny sugere que índices maiores de 7% seriam considerados abusivos. O indicador em 15% mostra que, apesar da redução, ainda existe abuso.
O que diz a SSP-SP
A Ponte procurou a Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP) solicitando uma posição sobre o caso. Em nota, a pasta contrapôs a taxa apontada por especialistas como indicador de abuso. O texto também diz que a redução na letalidade está ligado a formação dos policiais e na aquisição de armamentos como máquinas de choque.
Leia a integra da nota da SSP-SP
A SSP esclarece que não é correta a comparação entre homicídios dolosos e mortes decorrentes de intervenção policial. Inclusive, a Portaria 229/2018 do Ministério da Justiça e Segurança Pública estabelece que as mortes resultantes de ações policiais legítimas não devem ser equiparadas a crimes como homicídios dolosos.
Para reduzir a letalidade, a atual gestão investe na formação contínua dos policiais, na capacitação profissional e na aquisição de equipamentos de menor potencial ofensivo, como armas de incapacitação neuromuscular. Além disso, comissões especializadas analisam as ocorrências para aprimorar procedimentos, sempre que necessário. Por determinação da SSP, todos os casos de MDIP são investigados pelas polícias Civil e Militar, com o acompanhamento das corregedorias, do Ministério Público e do Poder Judiciário.