Batalhão da PM que fez cerimônia com cruz em chamas já havia feito treino com ‘favela’ como inimigo

    Unidade especializada com atuação em São José do Rio Preto, 9º Baep foi alvo de críticas em 2019 ao protagonizar treinamento em tapumes com inscrição “favela”. Imagem reforçava criminalização da pobreza, avaliaram especialistas à Ponte

    Ponte havia noticiado o caso em 2019, após o próprio 9º Baep divulgar imagens de treinamento, com a inscrição “favela” na parede | Foto: Reprodução

    O batalhão da Polícia Militar paulista (PM-SP) filmado em uma cerimônia com uma cruz em chamas e policiais com o braço em riste, cujas imagens foram divulgadas pela Ponte na terça-feira (15/4), já havia sido alvo de críticas em 2019 ao protagonizar um treinamento no qual combatia um inimigo em meio a tapumes com a inscrição “favela”.

    As imagens do treinamento haviam sido divulgadas também pelas redes sociais do próprio 9º Batalhão de Ações Especiais de Polícia (9º Baep), unidade especializada da PM-SP com atuação em São José do Rio Preto (SP). À época, elas ganharam maior projeção após terem sido repercutidas pela Ponte. Especialistas ouvidos naquela ocasião avaliaram que o treino parecia propor a criminalização da pobreza, reforçando um imaginário entre os policiais de que o crime estaria apenas em comunidades, onde poderiam atuar ostensivamente.

    Leia mais: PM fala em ‘sacrifício da própria vida’ ao fazer juramento em cerimônia com cruz em chamas

    “Eles entram dentro da favela assim mesmo, como se fosse um inimigo. É assim que tratam as periferias. Não é o mesmo tratamento dado aos bairros ricos”, disse Débora Maria da Silva, fundadora do Movimento Mães de Maio, para a Ponte à época.

    Já para Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), a imagem evidenciava uma visão preconceituosa da polícia paulista. “Reforça a estética que vem sendo muito empregada no Rio, da polícia chegar atirando nessas comunidades pobres. A PM de SP está se perdendo e começou a mimetizar a PMERJ no que ela tem de pior”, afirmou ela.

    Ainda à época, em contato com a Ponte, a PM-SP não explicou por qual razão a inscrição “favela” constava nos tapumes, limitando-se a descrever o treinamento que havia sido empregado aos policiais do 9º Baep. “A Polícia Militar esclarece que o treinamento de Tiro Defensivo na Preservação da Vida — ‘Método Giraldi’, aplicado pela Polícia Militar, ensina ao policial militar quando se deve atirar e quando não. A simulação objetiva justamente mostrar ao aluno que não se atira em quaisquer circunstâncias, mas somente quando há injusta agressão”, respondeu, em nota, a corporação.

    Batalhão está envolvido em casos como o da execução de dois jovens negros já rendidos e acusados injustamente de roubo, em São José do Rio Preto | Foto: Reprodução

    Vídeo com iconografia supremacista

    O 9º Baep voltou à receber atenção nesta quarta-feira (15/4) ao publicar, sem contextualização alguma e com uma trilha sonora ao fundo, um vídeo em sua conta no Instagram no qual policiais apareciam posicionados em frente a uma cruz em chamas. A cruz em chamas era uma das marcas da organização supremacista branca norte-americana Ku Klux Klan. Dois dos policiais, ainda, faziam um gesto com o braço em riste — que remete à saudação nazista.

    A cena exibia também um corredor de velas e viaturas ao fundo, sem especificação do local em que o vídeo havia sido gravado. Além disso, a baixa luminosidade não permitia identificar quem eram as pessoas presentes. Ficavam visíveis, no entanto, duas bandeiras com o brasão do 9º Baep. Um perfil do Comando de Policiamento do Interior 5 (CPI-5) republicou a postagem e a conta do tenente-coronel José Thomaz Costa Junior, comandante do 9º Baep, estava marcada na publicação.

    O vídeo foi tirado do ar assim que a Ponte questionou as autoridades sobre seu significado.

    Ponte solicitou informações à Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) sobre quem eram as pessoas do vídeo, se o registro havia sido feito durante o horário de expediente delas e quais as circunstâncias da gravação. Perguntou também se a SSP-SP entendia que o braço em riste e a cruz em chamas poderiam sem compreendidos, respectivamente, como alusivos à saudação romana usada por neonazistas e à cerimônia de queima de cruzes criada pela Ku Klux Klan.

    Em resposta, a SSP-SP afirmou que o caso é investigado. “A Polícia Militar é uma instituição legalista e repudia toda e qualquer manifestação de intolerância. Assim que tomou conhecimento das imagens, a Corporação instaurou um procedimento para investigar as circunstâncias relativas ao caso. A Corporação não compactua com desvios de conduta e reforça que qualquer manifestação que contrarie seus valores e princípios será rigorosamente apurada e os envolvidos responsabilizados”, escreveu, em nota.

    PM jura ‘sacrifício da própria vida’ em cerimônia

    Já nesta quinta (16/4), a Ponte divulgou um novo vídeo do ocorrido, no qual um agente que aparenta ser recém-integrado ao 9º Baep faz um juramento também o braço em riste. Ele fala em honrar a corporação e a sociedade paulista até mesmo com a própria vida, caso isso seja necessário.

    O evento aparenta se tratar de uma solenidade de entrega de braçal — quando militares encerram um estágio operacional e são efetivamente incorporados à unidade. Esse tipo de solenidade em geral é feita nos batalhões e à luz do dia, com juramentos perante as bandeiras do estado e do Brasil. A PM-SP não esclareceu as circunstâncias da cerimônia até aqui.

    Batalhão é ‘Rota do interior’

    O Baep é uma unidade especializada criada pela gestão João Doria (PSDB), em 2019, para atuar como uma espécie de “Rota do interior”, com foco em ações ostensivas — atualmente, a unidade também já está presente na capital. A Rota é conhecida por ser a unidade policial que mais mata no estado.

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    No caso do 9º Baep, a Ponte já mostrou que ele esteve envolvido na morte a tiros de dois jovens negros injustamente acusados de roubo em São José do Rio Preto. Havia imagens de câmeras de segurança que mostravam as duas vítimas já rendidas antes de serem baleadas. Em 27 de março, contudo, quatro agentes da unidade acabaram absolvidos em um Tribunal do Júri ao serem julgados pelo episódio.

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