‘Bem feito que eu matei seu irmão. Cresce pra eu te matar também’

    Ameaça de PM a garoto de 8 anos aconteceu em operação com 13 mortos em morros do RJ; mãe acusa PMs de terem escrito mensagem do celular de seu filho, que era analfabeto

    Reunião aconteceu no Morro do Fallet entre familiares de mortos e entidades de direitos humanos | Foto: Leonardo Coelho/Ponte Jornalismo

    Três dias após operação da PMERJ (Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro) que deixou 12 mortos nas comunidades do Fallet e Fogueteiro e outros 3 no Morro dos Prazeres, conforme informações atualizadas, uma reunião ocorreu na tarde desta terça feira (12/2) para aproximar familiares de diferentes instâncias de defensores de direitos humanos. Relatos de abusos e execuções marcam encontro de familiares de mortos com defensores de direitos humanos., que avaliam que o cenário indica que houve execuções extrajudiciais praticadas pelos policiais.

    A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, um dos órgãos presentes na reunião, conversou com dezenas de familiares e amigos dos assassinados e chegou a um cenário mais claro do tamanho do que consideram uma chacina: no Fallet foram 7 mortos em uma casa e outros 4 irmãos mortos em duas casas distintas da comunidade. No Fogueteiro, a ação resultou em uma morte. Completa-se o quadro com mais três assassinados no Morro dos Prazeres, sendo que uma das pessoas foi levada para o hospital ainda na sexta-feira (8/2) e dois foram encontrados pelos moradores no sábado (9/2), totalizando 15 pessoas executadas.

    “O que vimos hoje foi um cenário de muita tensão, de acúmulo de testemunhos de violações”, avalia Pedro Strozemberg , ouvidor da Defensoria. Para o especialista em direitos humanos, inclusive, os relatos indicam de forma quase uníssona a ocorrência de execuções extrajudiciais. “Há diversos vídeos e pessoas que viram o que aconteceu. Agora resta que a Divisão de Homicídios (da Polícia Civil fluminense) e o Ministério Público façam o seu trabalho de forma célere”, cobra.

    Mas, para Tatiana Antunes Carvalho, de 38 anos, mãe de Felipe Guilherme Antunes e tia de Enzo Sousa Carvalho, dois dos assassinados na operação do Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais, considerada a tropa de elite da PM do Rio), os danos da chacina ainda perduram. Um de seus filhos mais novos, de apenas oito anos de idade, ouviu de um dos policiais envolvidos na chacina a seguinte ameaça, feita logo após a ocorrência: “Bem feito que matei seu irmão. Cresce que eu te mato também”, teria dito o PM, segundo contou o filho à mãe.

    Familiares dos mortos e moradores das três comunidades relataram de forma constante a prática de terror psicológico e de intimidações por parte dos boinas pretas, como os PMs do Bope são chamados, durante a ação de sexta-feira. Eles denunciaram que policiais que já tinham sido expulsos da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) local voltaram a atuar nas comunidades e participaram desta operação – informação não confirmada oficialmente pela Ponte. Segundo moradores que não quiseram se identificar, alguns destes integrantes da tropa atuaram como policiais do Choque, outros, do BOPE.

    Mãe, que pediu para não ser identificada, perdeu dois filhos na operação policial | Foto: Leonardo Coelho/Ponte Jornalismo

    Dentre os familiares dos mortos no Morro dos Prazeres o terror têm sido semelhante. A mãe de um dos jovens assassinados reconta o medo que sentiu após seu filho começar a lhe mandar mensagens de texto após ela lhe perguntar como ele estava, preocupada com o tiroteio. “Meu filho era analfabeto. Ele só me mandava mensagem de áudio”, afirmou, suspeitando que quem mandava as mensagens eram oficiais do BOPE após matá-lo. Outra mãe disse que amigos de seu filho, preocupados com sua segurança, perguntaram se estava tudo bem. Receberam como resposta emojis de caixões e caveiras.

    42 mortos nos últimos dez dias

    Um levantamento publicado pelo jornal Extra através de números da PM divulgados pelo Ministério Público expõe que, até agora, morreram 42 duas pessoas em operações policiais em 2019. Isso dá uma média de um morto por dia. “Ano passado já tivemos o nossa maior taxa histórica de letalidade institucional e esses números agora preocupam muito, porque o que se espera é um modelo que preserve a vida”, reflete Pedro Strozemberg, da Ouvidoria da Defensoria Pública do Rio.

    Para a formanda em direito Deize Carvalho, que perdeu seu filho devido a violência estatal em 2008, o governo de Wilson Witzel (PSC), chefe do executivo fluminense, e o de Jair Bolsonaro (PSL), presidente da república, já deixaram claro que irão querer proteger os policiais, o que faz necessária a união e solidariedade das mães e familiares.

    “Caso elas discordem dos legistas, essas mães precisam pedir a exumação dos filhos para terem um contra laudo para saber o que aconteceu”, avalia a graduanda que, de forma independente, lutou para que o assassinato do filho não passasse impune. “Foi decretada pena de morte pra quem ousar contra esse governo, mas essas mães não podem desistir, independente dos mortos serem culpados ou não”, emenda.

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