‘Brasil não tem reparação suficiente para me dar’, diz ativista nos 18 anos dos Crimes de Maio

Falta de responsabilização do Estado fere mães e familiares que buscam justiça, memória e reparação, afirma Débora Silva, liderança das Mães de Maio. Evento na OAB paulista lembrou aniversário do massacre realizado em 2006

Roda de conversa nesta quarta-feira (22/5 na OAB/SP lembrou os 18 anos dos Crimes de Maio. Na foto (da esq. p/ dir.), Jaime Frege, Débora Maria da Silva, Otávio D. Souza Ferreira e Alessandra Teixeira | Foto: Daniel Arroyo/ Ponte Jornalismo

Os Crimes de Maio de 2006 completaram 18 anos. Naquele ano, grupos de extermínio paramilitares mataram 600 pessoas em São Paulo. Para Débora Maria da Silva, liderança do Movimento Independente das Mães de Maio, o tempo que passou foi marcado por impunidade e silêncio das autoridades. A falta de resposta fere, é uma tortura que dói no útero, diz Débora. 

Naquele maio, a liderança perdeu o filho Edson Rogério Silva dos Santos, 29 anos. Dias antes de morrer, ele tinha arrancado o siso. O rosto ainda estava inchado e os pontos na boca incomodavam. Mesmo com dor, seguiu trabalhando como gari, cargo que exercia há sete anos. “Nem com meu filho trabalhando de atestado médico para defender um salário mínimo, eles tiveram compaixão”, protesta Débora. 

Nesses 18 anos, ela e as Mães de Maio aprenderam a cobrar do Estado brasileiro a responsabilidade pelas mortes e desaparecimentos. A ação criminosa foi uma vingança contra os ataques atribuídos à facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), que mataram 59 agentes públicos no período, entre policiais, guardas civis e agentes penais.

Logo após o massacre, as Mães de Maio passaram se reunir na capital paulista para cobrar diretamente as autoridades. Superaram o medo de se perderem nas estações de metrô. Pegar o microfone era um desafio. “Nós falávamos bem baixinho que os policiais mataram nossos filhos”, lembrou Débora durante a roda de conversa “Rumos da PM nos 18 anos dos Crimes de Maio”, que ocorreu nesta quarta-feira (22/5), na sede da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB/SP).

Além de Débora, o evento contou com a presença do Diretor de Litigância e Incidência da Conectas Direitos Humanos e ex-secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Gabriel de Carvalho Sampaio, da professora da Universidade Federal do ABC (UFABC) e pesquisadora Alessandra Teixeira e do advogado, ex-investigador de polícia e atualmente membro do movimento Policiais Antifascismo (MPAF) Jaime Fregel.

São 18 anos de sangue, lágrimas e suor para dizer que os filhos eram delas e não do Estado. “Nós continuamos nos perguntando quem são esses bandidos”, afirmou Débora em entrevista à Ponte pouco antes do debate. 

A fala lembrou a recente decisão do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) arquivou o Procedimento Investigatório Criminal relacionadas a 12 mortes ocorridas na Baixada Santista, litoral de São Paulo, ligadas aos Crimes de Maio de 2006.

”Uma instituição tão conceituada dessa não traz uma resposta sobre os bandidos que mataram nossos filhos”, criticou. Para ela, a morosidade em trazer uma resposta ao caso torna ainda mais doloroso o processo de luto. “O Brasil não tem reparação suficiente para me dar”, diz.

O esquecimento dos Crimes de Maio reflete, diz Débora, até mesmo nas alianças políticas formadas, como a chapa Lula-Alckmin. Ela e as mães não esquecem que era Geraldo Alckmin quem estava à frente do governo na época do massacre.

Também não esquecem que as mortes foram abafadas pela Copa do Mundo. “Enquanto todo mundo gritava ‘gol’ e escutava o hino nacional, nós tínhamos vontade de rasgar até a própria bandeira”, lembra.

Em resposta, as Mães de Maio passaram a ter bandeira própria. É um vermelho diante de um fundo preto. “O verde-amarelo jamais vai apagar o sangue derramado pelos nossos filhos, nem as mortes nas favelas e periferias”, completa. 

Estado terrorista, polícia assassina 

A política operacional que matou os filhos das Mães de Maio segue em funcionamento. Desde que assumiu o governo de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) promoveu duas chacinas em operações na Baixada Santista. As ações foram resposta à morte de policiais militares.

Durante a Operação Verão, no começo deste ano, o gabinete da Secretaria da Segurança Pública (SSP-SP) chegou a ser transferido para Santos, em uma ação política de Guilherme Derrite, comandante da pasta.

Para a pesquisadora Alessandra Teixeira, a partir dos Crimes de Maio houve uma normalização das mortes pela polícia por meio de operações com ações essas que trazem uma dimensão militarizada da segurança pública.

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Ela diz ainda que, diferente do Massacre do Carandiru – quando 111 detentos foram mortos pela polícia –, não houve resposta institucional. Ela cita que, após a intervenção criminosa na unidade prisional, foi criada a Secretaria da Administração Penitenciária. “Em 2006, nós não encontramos uma resposta”, diz. 

“[Os Crimes de Maio] assinalam não uma ruptura, mas a intensificação de algo que só se agrava”, completa a pesquisadora. 

Vivemos em um Estado terrorista, com uma polícia assassina, diz Débora. “Segue-se matando em nome da Guerra às Drogas. Precisamos de uma política democrática, nós não somos pretos fujões. A carta de alforria precisa ser respeitada”, fala. 

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