Artista conversa com a Ponte sobre rap, música, carreira, maternidade, militância indígena e violência policial
Brisa de la Cordillera, conhecida no hip hop como Brisa Flow, encontrou com a reportagem em uma quinta-feira qualquer. Mas o local não foi uma escolha aleatória. A rapper, que na verdade prefere ser chamada de MC, escolheu um ponto de economia solidária no bairro do Butantã, zona oeste de São Paulo, onde mora atualmente, que tem um espaço de natureza em meio a cidade. O motivo? “Eu me sinto muito longe da terra”, afirma Brisa, que acredita que essa saudade é uma memória ancestral.
Brisa nasceu em Belo Horizonte, Minas Gerais, e viveu muito tempo em Sabará, região metropolitana capital mineira. “É como Osasco e São Paulo”, brinca a MC ao explicar a regionalidade. Filha de artesãos chilenos, Brisa de la Cordillera tem o sangue indígena da etnia Mapuche em suas veias. Vem daí a saudade de estar perto da terra.
Até 2012 foi em Minas que Brisa viveu. A infância e adolescência tiveram bons momentos graças a criação de seus pais, artistas natos que sempre inspiraram esse lado na filha, e as dificuldades de lidar com a xenofobia na escola. Em 2013 decidiu mudar para São Paulo, onde já morou em diversos bairros, para consolidar a sua carreira na música – e no rap.
Com dois discos lançados, Newen em 2016 e Selvagem como o vento em 2018, hoje, aos 32 anos, ela é um dos destaques do YBY Festival, que reúne 15 artistas indígenas na cidade de São Paulo entre os dias 29 de novembro e 1º de dezembro no Unibes Cultural. A ideia central do festival é mostrar a diversidade da música indígena contemporânea no Brasil.
“Quando eu engravidei eu deixei de cantar. Foi bem difícil para mim, pois cantar não é só fazer show e trabalhar, é o momento em que eu me sinto livre”, confessa Brisa falando sobre as dificuldades de conciliar maternidade e carreira.
É do segundo álbum uma das canções mais marcantes da carreira de Brisa Flow, o single Fique Viva. A MC conta à Ponte que a música foi escrita em outubro de 2018, quando o presidente Jair Bolsonaro foi eleito. Foi a última música gravada para o Selvagem como o vento, lançado em dezembro do mesmo ano.
“Rolou o bagulho da eleição e eu fiquei em choque, mas ao mesmo tempo eu me perguntei o quanto eu estava em choque pela paranoia da esquerda caviar, que às vezes viaja, que todos nós seríamos mortos, sendo que a gente já convive com a violência policial há anos. Eu nem chamo de violência policial é violência estatal, é o Estado que manda o policial brigar com o próprio povo dele, e ainda paga mal esse policial”, pontua Brisa.
“Todas essas paranoias me deixaram em um universo que me fez refletir que já era sobre isso. Esse terror é uma tática de movimentos fascistas, então eu queria uma música que trouxesse esperança, que falasse que tem sim sangue de ancestral, que tem violência, que a bala não é perdida, é bala achada, mas por isso vamos ficar dentro de casa?”, indaga a MC.