Em sua segunda edição, protesto incluiu o luto pelas vítimas da Covid-19 e da violência estatal, como os jovens mortos no Massacre de Paraisópolis
Um grupo tímido começou a chegar por volta das 17h30 na Praça da Paz, dentro do Parque do Ibirapuera, na zona sul da cidade de São Paulo. Uma garoa fina e intermitente marcou a quinta-feira (31/3), fruto da primeira frente fria séria do ano. Espalhados pela grama, retratos de pessoas mortas pela ditadura militar inaugurada em 1º de abril de 1964 – e também imagens de militantes mortos pela Covid-19 e outras vítimas da violência do Estado brasileiro. Era a concentração para a II Caminhada do Silêncio, do movimento Vozes do Silêncio, organizada pelo Instituto Vladimir Herzog, pelo Núcleo Memória e dezenas de outras entidades de direitos humanos.
Antes do cortejo silencioso, que carregou os retratos dos mortos até o Monumento em Homenagem aos Mortos e Desaparecidos Políticos, na entrada do Ibirapuera, lideranças se reuniram para falar da importância sobre a memória dos malfeitos do regime cívil-militar num momento em que a democracia é ameaçada diuturnamente no país. O deputado estadual Adriano Diogo (PT), que foi preso e torturado pela ditadura em 1973, lembrou que, diferente do primeiro ato, ocorrido em 2019, a edição de 2022 tem o objetivo de também denunciar “as atrocidades que ocorreram nessa nova forma de ditadura que o Brasil mergulhou. Da pandemia, desse verdadeiro genocídio contra o povo brasileiro, dessa intencionalidade do Estado de punir o povo, abandonado na sua tragédia mais difícil”.
“Hoje o Brasil acordou em sobressalto, os militares voltaram a reivindicar no seu negacionismo a necessidade de descomemorar as atrocidades que eles fizeram ao longo daqueles 21 anos. E se nós não nos organizarmos, não reagirmos, eles vão querer continuar, não vão aceitar o resultado das eleições, vao querer tumultuar o cenário político brasileiro”, complementou o parlamentar.
Ediane Maria, coordenadora do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto na capital paulista, lembrou que a violência do Estado não acabou com o fim da ditadura: “nesse exato momento, em algum lugar desse país, algum jovem está sendo assasinado, um corpo negro está sendo arrastado no morro”. Da mesma maneira, Bemok Kayapó, presidente do Instituto UDPJ Pará, lembrou que a violência contra indígenas segue uma constante no país. “Ano passado sete lideranças indígenas, amigos meus, foram assassinados em toda a Amazônia. E até hoje ninguem foi preso”, denuncia Kayapó. Segundo a Comissão da Verdade, mais de 8 mil indígenas foram mortos pelo Estado brasileiro entre 1946 e 1988.
A caminhada contou com apenas um incidente: um ciclista não identificado que passava pelo local resolveu hostilizar os militantes, dizendo “vão todos se foder”. No encerramento do ato, Maria Cristina Quirino, mãe de Denys Henrique, morto aos 16 anos no Massacre de Paraisópolis, se emocionou enquanto lembrava o motivo de estar lá: “não é fácil encarar o luto tendo que lutar por justiça, por memória e pela verdade. Isso já é uma rotina que segue descaradamente há décadas, este ato é uma prova disso. Não podemos nos calar e achar que está tudo bem. Não podemos permitir que continuem nos matando. Isso é cruel demais”.
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