Site foi lançado na quinta-feira (31/8) e já reúne mais de 11 mil adesões; entidades querem Lula comprometido com reparação histórica
Movimentos negros se uniram para lançar uma campanha que cobra do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a indicação de uma mulher negra para o Supremo Tribunal Federal (STF). Por um site lançado na quinta-feira (31/8) é possível enviar uma mensagem com a demanda ao e-mail da presidência. Até a manhã desta sexta-feira (1º/9), mais de 11 mil pessoas já tinham aderido à campanha on-line.
A pressão ocorre às vésperas da aposentadoria da ministra Rosa Weber. A magistrada completa 75 anos em outubro, idade limite para atuação no órgão máximo do judiciário brasileiro. Rosa tem a saída prevista para o fim deste mês, quando Luís Roberto Barroso assumirá a presidência do STF com Edson Fachin como vice.
A cobrança direta ao presidente Lula ocorre após certa frustração pela indicação de Cristiano Zanin, que foi empossado em agosto entrando no cargo na vaga de Ricardo Lewandowski, aposentado em abril. O presidente anunciou Zanin em junho, tendo sido altamente pressionado nos três meses de vacância da vaga para que uma mulher negra assumisse a posição.
À época, a organização Mulheres Negras Decidem chegou a publicar uma lista tríplice com os nomes da promotora Lívia Santana e Sant’Anna Vaz, da juíza Adriana Alves dos Santos Cruz e da jurista Soraia da Rosa Mendes. A composição foi relançada em agosto reforçando o pedido ao presidente.
Conforme apontou o Poder 360, em abril, Lula chegou a dizer que não queria se comprometer a escolher uma mulher ou homem negro para a vaga no STF. A preferência do presidente era por uma pessoa “altamente gabaritada do ponto de vista jurídico”.
Há menos de um mês no cargo, o mais recente indicado de Lula já teve voto polêmico ao se posicionar contra a descriminalização do porte de drogas. A ação é analisada pela corte desde 2015 e com o voto do magistrado, o placar atual é de 5×1 com a maioria favorável — ainda faltam deliberar os ministros André Mendonça, Nunes Marques, Cármen Lúcia, Dias Toffoli e Luiz Fux.
Durante os mais de 130 anos de existência, o STF só teve três homens negros compondo a corte: Pedro Augusto Carneiro Lessa, Hermenegildo R. de Barros e Joaquim Barbosa. A presença feminina foi pífia e restrita à branquitude nestes anos (foram ministras Ellen Gracie, Carmen Lúcia e Rosa Weber).
Reparação histórica
A campanha dos movimentos negros chama atenção do presidente Lula para a importância de reparação histórica que a indicação pode cumprir. “Indicar uma mulher negra ao STF não é um favor, é reparação histórica. Essa é uma decisão que será crucial para o futuro do Brasil, com consequências que se refletirão nas próximas décadas”, diz um trecho da mensagem [veja íntegra a seguir].
Quem quiser aderir precisa informar um e-mail, nome completo e informar o estado onde vive. A mensagem é direcionada para os endereços [email protected] e [email protected], de responsabilidade da presidência e da secretaria geral.
Leia mensagem na íntegra:
“Excelentíssimo Senhor Presidente da República,
Dados do último Censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística no ano passado mostram que a população brasileira de hoje é formada majoritariamente por mulheres e pessoas negras; sendo justamente as mulheres negras sua maioria.
Ainda assim, o Supremo Tribunal Federal, mais alta instância do Poder Judiciário brasileiro, conta historicamente com uma representação ínfima – quando não nula – dessa população. Em mais de 130 anos de existência, e depois da passagem de mais de 160 ministros pelo Tribunal, poucos são os que representam a diversidade do nosso país.
Em outubro deste ano, com a aposentadoria da Ministra Rosa Weber, o Senhor nomeará aquela que ocupará o órgão guardião da Constituição Federal pelas próximas décadas.
Por isso, agora gostaríamos de pedir ao Senhor que faça história e escolha uma jurista negra – pela primeira vez – para o cargo. Indicar uma mulher negra ao STF não é um favor, é reparação histórica. Essa é uma decisão que será crucial para o futuro do Brasil, com consequências que se refletirão nas próximas décadas.
Esperamos poder contar com o Senhor para atender ao pedido de milhares de brasileiros e brasileiras, que já passaram tempo demais sem se ver representados na mais alta esfera do Poder Judiciário.
É o que peço respeitosamente”
A ideia é fazer uma provocação diante do momento político que o país atravessa, explica Ingrid Farias, membro da secretaria operativa da Coalizão Negra Por Direitos,.
“A gente vive um momento político no Brasil em que há uma condição de avanço para aprofundar o debate político, mas sabemos que isso também não é uma condição totalmente favorável para nós. Apesar de nós acharmos que o governo Lula tem aceno para essas populações, ainda sim, não temos uma mudança prática profunda”, diz Ingrid.
Ela diz que não há uma agenda pública que foque no direito das pessoas negras e de grupos historicamente vulnerabilizados. O impacto disso, argumenta, é que a discussão acaba restrita e não sendo ampliada para a área econômica, de saúde ou desenvolvimento social.
“Nós queremos uma mulher negra no STF que tenha trajetória, acúmulo de compreensão das agendas de desigualdade desse país, das deficiências que o sistema de justiça tem produzido nos últimos anos, e que possa agir sobre essas questões, nesse espaço de poder tomar decisão”, completa.
A campanha foi criada pela Coalizão Negra Por Direitos, Nossa, Instituto de Defesa da População Negra (IDPN), Mulheres Negras Decidem, Instituto de Referência Negra Peregum, Observatório da Branquitude, Utopia Negra Amapaense, Coalizão Nacional de Mulheres, Girl Up, Movimento da Advocacia Trabalhista Independente, Lamparina, Instituto Mariele Franco, Movimento Negro Evangélico, #aOABtaON, Defemde, Jornalistas Negras, Instituto da Advocacia Negra Brasileira, PerifaConnetion e Geledés.