Campanha Descontrole alerta para ameaça à lei do desarmamento no Congresso

    Entidades lançam portal com informações sobre estatuto do desarmamento e o lobby da indústria na bancada da bala

    Imagem da campanha Descontrole

    O Instituto Sou da Paz, o Viva Rio e a Rede Desarma Brasil se juntaram para lançar nesta semana o site Descontrole, que tem como objetivo desmistificar ideias com relação ao estatuto do desarmamento e pressionar os deputados da chamada “Bancada da Bala”, que são financiados pela indústria de armas e munições.

    As entidades envolvidas acompanham há muitos anos a questão do controle de armas. A iniciativa de unir todas as informações em uma página ganhou força depois que o Projeto de Lei 3722/2012, do deputado Rogério Peninha Mendonça, voltou à pauta no Congresso Nacional, com grande possibilidade de passar, que amplia a facilidade de acesso ao porte de arma. “Hoje nós temos uma situação muito ruim do ponto de vista do controle do Estado sobre a criminalidade. Mas a solução está longe de ser despejar mais arma de fogo na sociedade e transferir a responsabilidade de proteção, que é do Estado, nas costas do cidadão. Esses deputados, financiados pelo mercado de armas e munições, querem promover o descontrole das armas de fogo”, afirma o diretor-executivo do Instituto Sou da Paz, Ivan Marques. No texto do PL, além de prever o porte — ou seja, permitir que as pessoas saiam na rua armadas — há outros detalhes que preocupam os ativistas, como a redução da idade para comprar armamento, que hoje em dia é de 25 anos, para 21, e o número de munições que a pessoa pode portar, que hoje é de 50 unidades passará para 600. “A gente tem cerca de 58 mil mortes por arma de fogo ao ano e é o jovem que mais sofre e mais promove essa violência letal armada e agora querem ainda reduzir a idade”, critica Marques.

    Imagem da campanha Descontrole

    Para o diretor-executivo do Instituto Sou da Paz, Ivan Marques, as pesquisas indicam que o cidadão comum já não quer mais armas nas ruas. “Uma sociedade onde existe controle de armas de fogo, os números e a violência são menores. O estatuto do desarmamento regula um mercado e um cenário nacional, que antes não era regulado. Antes, o Estado não tinha nenhum controle disso. O estatuto é de 2004, ou seja, em dez anos você vê o aumento do índice de mortes por arma de fogo diminuir. Você passa a ter a primeira queda em dez anos desse indicador. Depois, ele volta a crescer, como a gente sabe. até porque são muitos fatores que interferem nesses números. Mas mesmo assim você vê esse índice caindo de 8% para 0,7% ao ano”, explica.

    Ainda assim, existe o mito de que ter uma arma pode dar mais segurança, principalmente no argumento de parlamentares simpáticos à causa, seja por questões ideológicas, seja porque tiveram as campanhas financiadas. Ivan Marques lembra um episódio envolvendo um dos mais ferrenhos defensores do PL em discussão na Câmara, o deputado Alberto Fraga. “Ele estava em plenário discutindo o PL 3722, foi confrontado com dados sobre como não existe uma relação de mais armas menos violência, que é o contrário, ele pegou o microfone e disse: ‘Eu sei que tem um representante da Taurus aqui e queria dizer que o que vocês me pagaram para o que eu tô fazendo por vocês ainda é muito pouco. Vou querer mais'”, conta Ivan. Procurado pela Ponte, o deputado Fraga não respondeu.

    A campanha Descontrole identificou 14 deputados que receberam dinheiro da Taurus ou da CBC (Companhia Brasileira de Cartuchos) para campanha eleitoral: Alberto Fraga (DEM), Alceu Moreia (PMDB), Arnaldo Faria de Sá (PTB), Arthur Maia (SD), Daniel Vilela (PMDB), Efraim Filho (DEM), Fábio Reis (PMDB), Jerônimo Goergen (PMDB), Luiz Gonzaga Patriota (PSB), Marcos Montes (PSD), Misael Varella (DEM), Ônix Lorenzoni (DEM), Pompeu de Matos (PDT) e Ronaldo Benedet (PMDB). Há outros parlamentares que não necessariamente receberam verba para campanha, mas que já se manifestaram publicamente em favor do PL.

    Outro argumento que o diretor-executivo do Instituto Sou da Paz, Ivan Marques, explica que é falacioso é o de que não dá para comprar armas no Brasil ou que o país tira o direito de o cidadão de se proteger. “O estatuto prevê que a pessoa que cumpre os requisitos previstos em lei, o teste psicológico, não ter antecedentes, enfim, pode ter até seis armas em casa. Tem um item do estatuto que também regula a posse para colecionador. A lei quer revogar o estatuto e descontrolar esse acesso”, explica. E Marques alerta que muitos itens do estatuto ainda não funcionam na prática. “Está previsto o rastreamento de armas no estatuto, mas isso ainda não acontece na prática. Isso ajudaria na investigação de casos de homicídio, que sabemos que no país é ainda muito pouco investigado”, afirma.

    Ivan Marques critica também o monopólio da indústria de armas no Brasil. “A gente tem basicamente uma companhia de armas, a Taurus, e a CBC, que é de munição. Mas a CBC, recentemente, adquiriu grande parte da Taurus, então a gente tem, na prática, uma empresa”, avalia. “E essa empresa consegue fazer um lobby eficiente no Congresso, a ponto de o PL ter sido discutido em uma comissão que visava tratar do desarmamento e o presidente era um dos parlamentares financiados pela Taurus ou CBC”.

    O portal Descontrole também prevê o envio de mensagens aos parlamentares para que o projeto de lei seja barrado.

    A favor das armas

    O Presidente da Associação Brasileira de Atiradores Civis e membro do Conselho Consultivo do SisFPC, órgão diretamente ligado ao departamento do Exército Brasileiro responsável pela elaboração das regras que regulam o controle de armas no Brasil, Arnaldo Adazs, é uma das vozes contra o desarmamento da sociedade civil. Contudo, é crítico também ao PL 3722/2012, porque considera que o texto continua sendo essencialmente desarmamentista e explica que o substitutivo, o PL 7075/2017, apresentado pelo deputado Marcelo Aguiar (DEM), da bancada evangélica da Câmara, é mais interessante. “O PL 3722 mantém todos os crimes de posse e porte de armas, agravando suas penas, e se trata de um texto legal 3 vezes mais complexo e burocrático do que o existente. Por este motivo fazemos parte de um grupo que apresentou esse outro projeto de lei, o 7075, também chamado de ‘Os 10 mandamentos do Tiro’. Ao contrário do megadonte chamado PL 3722, este projeto tem apenas dez artigos e contém todo o necessário para a gestão pública das armas de fogo de particulares, com absoluta segurança e total respeito às nossas Liberdades Civis”, argumenta.

    Para Arnaldo, o Estatuto do Desarmamento, nome popular da lei 10.826/2003, é inconstitucional, porque foi feita no período do mensalão. “O Acórdão da AP/470 STF, ação penal que julgou o mensalão, diz com todas as letras que todas as leis deste período foram feitas com dinheiro de corrupção. Uma vergonha eterna para o nosso país”, explica. Arnaldo Adazs defende uma mudança de paradigma e explica que um dos principais pontos é a exigência de comprovar efetiva necessidade. “É a principal causa de denegação de pedidos de aquisições de armas para defesa. Incrivelmente a lei não fala em comprovar, mas sim declarar. A declaração é manifestação individual da pessoa, que é execrada por Delegados de Polícia Federal que então denegam tais autorizações por mera convicção política. O grande pecado do PL 3722/2012 é manter toda a estrutura  estabelecida pelo Estatuto do Desarmamento — ou seja, preserva a mentalidade desarmamentista”, sugere Arnaldo, ao voltar a defender a aprovação do PL 7075, que mantém todas as exigências de o cidadão comprovar habilidade técnica e psicológica, não ter antecedentes criminais, mas impede que o pedido seja indeferido, caso o cidadão cumpra os requisitos.

    Para defender a afirmação de que “uma sociedade armada é mais segura”, Arnaldo Adazs afirma que “tudo se resume em uma lógica simples e cartesiana”.  Que é a seguinte: “Bandidos são pessoas que resolveram não aceitar as convenções sociais, e para eles as nossas leis pouco ou nada dizem. Eles respeitam apenas a força, agem e reagem ao medo e a mais nada. Se eles tem certeza de que na sua casa não haverá nenhuma reação armada, você será o alvo principal dos crimes. Se eles têm uma dúvida razoável quanto a ser recebidos com tiros, agirão com prudência. Se eles tiverem certeza de uma reação armada, procurarão uma vítima mais fácil”, aponta. E afirma que o Estatuto do Desarmamento desarmou vítimas. “O mercado paralelo de armas de fogo cresce vertiginosamente, com as organizações criminosas cometendo seus atos ilícitos em nossas ruas com armas cada vez mais poderosas, armas que inclusive são vetadas a qualquer cidadão comum”, conclui.

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