Luana, que era negra e lésbica, morreu em 2016, em Ribeirão Preto, dias após ter sido espancada pelos agentes. Ministro Flávio Dino falou em “abuso do direito de recorrer” ao negar o recurso apresentado por um dos três policiais réus
O Supremo Tribunal Federal (STF) negou recurso e os três policiais militares acusados de espancar e matar Luana Barbosa, de 34 anos, vão a júri popular. A defesa de um dos réus buscava que a Justiça Militar avaliasse previamente o cometimento de crime militar. Para o ministro Flávio Dino, relator do caso, a apelação tinha como objetivo atrasar ainda mais o julgamento.
O acórdão foi publicado em 28 de fevereiro. Os ministros da primeira turma do Supremo seguiram de forma unânime o voto de Flávio Dino. A decisão é definitiva, sem possibilidade de recursos. Dino alegou que a defesa do PM não cumpriu os requisitos para apresentação de um recurso extraordinário.
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“A utilização indevida das espécies recursais, consubstanciada na interposição de recursos manifestamente inadmissíveis, improcedentes ou contrários à jurisprudência desta Suprema Corte como mero expediente protelatório, desvirtua o próprio postulado constitucional da ampla defesa e configura abuso do direito de recorrer”, escreveu o ministro, relator do caso no Supremo.
Os policiais, André Donizete Camilo, Douglas Luiz de Paula e Fábio Donizete Pultz, respondem pelo crime em liberdade. Na época, os três atuavam no 51º BPM/I, que atua nos municípios de Ribeirão Preto, São Simão, Santa Rosa de Viterbo, Serra Azul, Serrana, Luiz Antônio, Cravinhos e Guatapará.
STJ restabeleceu qualificadoras
Em 2023, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou um recurso dos PMs que pediu a impronúncia — ou seja, que o trio não fosse levado a júri popular. Para o relator do caso, ministro Ribeiro Dantas, “a existência de elementos sugestivos que apontam para uma possível relação entre o espancamento e o óbito torna inviável afastar prematuramente a hipótese de homicídio”.
O ministro também analisou o pedido dos advogados da família de Luana, que atuam como assistentes da acusação, para que as qualificadoras do crime de homicídio, atribuídas pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) na denúncia, fossem avaliadas pelo Tribunal de Júri.
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Em 2021, a 4ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) retirou as qualificadoras do homicídio, agravantes que podem aumentar a pena caso os policiais sejam condenados. Eram elas motivo torpe (desprezível), meio cruel e recurso que dificultou a defesa da vítima. As qualificadoras foram restabelecidas pelo STJ. Na decisão, o ministro pontuou que cabe ao conselho de sentença — os jurados — avaliar se houve ou não cada uma delas.
De acordo com o Código Penal, o crime de homicídio pode levar a uma pena de reclusão de seis a 20 anos. Já quando o homicídio é qualificado pode chegar de 12 a 30 anos. Segundo a denúncia do MP-SP, os policiais mataram Luana com a intenção de vingar o soco e pontapé que receberam dela. A situação aconteceu após uma revista truculenta e sem justificativa. Esses foram os argumentos para a atribuição de motivo torpe.
Quanto à qualificadora de recurso que dificulta a defesa da vítima, o ministro defendeu que existem elementos que apontam que o crime ocorreu de tal modo — já que a denúncia aponta que as agressões foram feitas por diversos policiais.
Já em relação ao meio cruel, Ribeiro Dantas discorda do TJ-SP. O Tribunal de São Paulo defendeu que não havia elementos que comprovassem que Luana sofreu tortura ou aflição, considerando a “brevidade das agressões”. Para o relator, a denúncia deixa dúvidas quanto a isso, motivo que fundamenta a avaliação pelos jurados.
Relembre o caso
Mulher negra e lésbica, Luana Barbosa dos Reis foi abordada e espancada por policiais militares em 8 de abril de 2006 ao parar para cumprimentar um amigo que estava no bar na esquina da rua de sua casa, no bairro Jardim Paiva II, na periferia de Ribeirão Preto.
Em entrevista à Ponte na época do crime, a irmã de Luana, Roseli, contou que ela saiu de casa para levar o filho a um curso de informática, no centro da cidade. “Foi questão de dez minutos para começarem os gritos e os tiros. Ao abrirmos o portão, já estava uma cena de guerra, com policial apontando arma, vizinhos correndo e minha irmã gritando pedindo ajuda”, relatou.
Ao se aproximar do bar com outros familiares, Roseli disse ter visto a irmã ajoelhada, com as mãos para trás, com uma bermuda preta, sem camisa e só com um top. Segundo ela, havia dois policiais imobilizando Luana, um deles com sangue no lábio.
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Em um vídeo gravado por familiares após as agressões [veja acima], Luana diz que policiais a mandaram abaixar a cabeça e colocar as mãos para trás: “Aí eu comecei a apanhar, já me deram um soco e um chute”. Roseli contou à irmã que ela foi acusada de agredir um policial e fala ter visto um policial com a boca machucada. “Por causa que eles me algemou, me deram um soco e um chute”, responde Luana no vídeo.
Cinco dias depois das agressões, Luana morreu em decorrência de uma isquemia cerebral causada por traumatismo crânio-encefálico.