Cerco feito pela PM causou Massacre de Paraisópolis, aponta Polícia Civil

Nove PMs foram indiciados por homicídio culposo (quando não há intenção de matar) pela ação que resultou na morte de nove jovens em baile funk na zona sul de SP, em dezembro de 2019; ‘os PMs conheciam o local, foi homicídio doloso’, critica irmão de uma das vítimas

Maria Cristina Quirino Portugal contemplando a foto de seu filho, Denys Henrique Quirino da Silva, na viela onde ele foi morto, durante homenagem aos nove mortos em janeiro de 2021 | Foto: Caê Vasconcelos/Ponte Jornalismo

Nove dos 31 policiais militares que atuaram em ação que culminou na morte de nove jovens no baile funk da DZ7, em uma favela da zona sul de SP, em dezembro de 2019, foram indiciados por homicídio culposo (quando não há intenção de matar) pelo delegado Manoel Fernandes Soares, do DHPP (Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa), da Polícia Civil. O episódio ficou conhecido como Massacre de Paraisópolis.

De acordo com o relatório da investigação obtido pela Ponte, que data de 2 de maio, os policiais Aline Ferreira Inácio, João Carlos Messias Miron, Luís Henrique dos Santos Quero, Rodrigo Almeida Silva Lima, Marcelo Viana de Andrade, Marcos Vinícius Silva Costa, Leandro Nonato, Paulo Roberto do Nascimento Severo e Gabriel Luís de Oliveira, todos da Força Tática do 16º Batalhão Metropolitano da PM, “não observaram o necessário cuidado objetivo que lhes era exigível, sendo previsível, no contexto da ação, a ocorrência de resultado letal”.

A tenente Aline Ferreira Inácio, segundo o documento, era responsável pelo comando da “Operação Pancadão” e pelo patrulhamento da 1ª Companhia do 16º BPM/M. “Dessa forma, no âmbito de suas atribuições e no contexto da ocorrência, tinha a possibilidade e o dever de obstar o deslocamento das viaturas para as esquinas do baile da DZ7. Não o fazendo, permitiu o desenrolar dos fatos que deram causa às mortes das vítimas”, argumentou o delegado.

Leia também: No primeiro dia do ano, um protesto, nove cruzes e a revolta de uma mãe em Paraisópolis

Já o subtenente Leandro Nonato, o cabo Paulo Roberto do Nascimento Severo e o soldado Gabriel Luís de Oliveira estavam na viatura M-16011 e alegaram que foram prestar apoio à policiais da Rocam (Ronda Ostensiva com Apoio de Motocicletas), que tinham comunicado ter sido alvo de disparos por suspeito em moto, e disseram que “foram surpreendidos por uma multidão” quando chegaram ao local, sendo recebidos com garrafas e pedras e, por isso, lançaram bombas de gás lacrimogêneo. Apesar de terem sido chamados pela Rocam para prestar apoio na Rua Herbert Spencer, a viatura migrou para a Rua Ernest Renan, que era oposta.

Além disso, imagens mostraram que os policiais mentiram, já que a viatura ingressou em alta velocidade na Ernest Renan, que fica a 30 metros antes da esquina da Rua Rudolf Lutze, onde havia aglomeração de pessoas que acabaram correndo com a aproximação do veículo. O relatório também indica que foi realizada uma reprodução simulada da dinâmica, na qual “constata-se que a viatura avançou parcialmente o citado cruzamento das vias, no sentido do baile, o que evidentemente prejudicou a evasão de pessoas do local”. Havia entre 5 mil e 8 mil pessoas no baile da DZ7.

Reprodução do local onde ocorreu o massacre de Paraisópolis em laudo da perícia da Polícia Civil

“Salienta-se, como já mencionado, que era do conhecimento dos policiais a existência e complexidade do baile da DZ7, bem como que a aproximação da viatura causaria correria e comportamento hostil por parte dos frequentadores”, destaca o delegado. A tenente Aline Inácio, de acordo com Manoel Soares, sabia que a viatura foi em sentido oposto ao local designado e não discordou, tendo também se encaminhado à Rua Ernest Renan e “não ordenou a paralisação dos deslocamentos de apoio” quando os integrantes da Rocam haviam informado que a situação estava fora de perigo, sendo que conforme “viaturas se deslocavam para ambas as esquinas, era previsível a eclosão de tumulto e a dificuldade de evasão da localidade”.

Com relação ao sargento João Carlos Messias Miron e os soldados Luís Henrique dos Santos Quero, Rodrigo Almeida Silva Lima, Marcelo Viana de Andrade e Marcos Vinícius Silva Costa, a investigação aponta que o grupo atuou de forma ilegal e praticou “condutas abusivas” ao agredir pessoas na Viela do Louro, já que, apesar das agressões não terem causado mortes, o local foi encurralado pelos policiais e não tinha saída, sendo que as vítimas acabaram prensadas umas nas outras.

Leia também: Moradores de Paraisópolis denunciam abordagens violentas da PM durante Operação Saturação

Os laudos necroscópicos indicaram que Marcos Paulo Oliveira dos Santos, Gustavo Cruz Xavier, Luara Victória Oliveira, Bruno Gabriel dos Santos, Gabriel Rogério de Moraes, Denys Henrique Quirino da Silva, Eduardo da Silva e Dennys Guilherme dos Santos Franco morreram por sufocação indireta, justamente por essa compressão entre as pessoas, impedindo que elas pudessem respirar. Mateus dos Santos Costa morreu por traumatismo raquimedular, que poderia estar associado à compressão ou uma pancada. As vítimas tinham entre 14 e 23 anos. Pelo menos 12 pessoas ficaram feridas.

Nomes dos nove mortos grafitados na viela em que sete morreram, em 2019 | Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo

Com exceção da tenente, o delegado aponta que os outros oito policiais ainda teriam praticado abuso de autoridade, mas “devido tratar-se de infração de menor potencial ofensivo”, não os indiciou por esse crime. Agora, cabe ao Ministério Público Estadual analisar se acata ou não o entendimento de Manoel Soares, oferece denúncia, pede novas diligências ou o arquivamento do caso.

Leia também: Vendedor, desempregado e muitos estudantes: as vítimas do massacre em Paraisópolis

Para Danylo Amilcar, 20, irmão de Denys Henrique, o indiciamento é um reconhecimento importante, mas também uma “vitória tímida” frente à luta dos familiares das vítimas que buscam por justiça. “É o Estado reconhecendo que os homicídios aconteceram por causa da ação policial, é um passo muito pequeno, porque ao todo foram 31 policiais que atuaram e contribuíram para essa política genocida nas periferias”, afirma. “No relatório, o delegado mostra que os policiais tinham conhecimento do local e agiram daquela forma, então não foi culposo, foi doloso [com intenção]”, contesta.

Na época do massacre, o governador João Doria (PSDB), pressionado pelas famílias das vítimas, chegou a prometer afastar 38 policiais militares que participaram da ação. Inicialmente, tinham sido afastados Rodrigo Cardoso da Silva, Antonio Marcos Cruz da Silva, Vinicius Jose Nahool Lima, Thiago Roger Lima Martins de Oliveira, Renan Cesar Angelo e João Paulo Vecchi Alves Batista, todos também da Força Tática do 16º BPM/M, que estavam em motocicletas (Rocam) – eles aparecem como averiguados no inquérito da Polícia Civil, mas não foram indiciados pelo delegado Manoel Soares.

Os seis disseram no 89º DP (Portal do Morumbi), na ocasião, que estavam em operação de combate ao pancadão na região, quando dois agentes avistaram suspeitos em uma moto XT 660 e que, para escapar da abordagem, atiraram e fugiram, iniciando uma perseguição. Na sequência, tentaram se esconder no meio da multidão que participava de um baile funk, o baile da DZ7. Os participantes da festa, ainda segundo os relatos dos agentes, teriam lançado pedras e garrafas contra os policiais, que, então, reagiram. Esses suspeitos até hoje não foram identificados.

A apuração da Corregedoria da PM concluiu, em fevereiro do ano passado, que 31 policiais militares agiram em legítima defesa, já que teriam atuado para dar apoio aos policiais da Rocam e repelir “agressão” das pessoas, que teriam jogado garrafas e pedras, com bombas de gás e balas de borracha, e alegaram que não estavam no local para fazer dispersão de multidão, conforme um laudo feito pela corporação que integra essa apuração interna que a Ponte teve acesso.

O que diz a polícia

A Ponte solicitou, via assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública e da Polícia Militar, entrevista com os policiais indiciados e também questionou a pasta se todos os 31 envolvidos continuam em atividades operacionais e se há mais alguma apuração sobre o caso. A paste não respondeu as perguntas e encaminhou a seguinte nota:

O DHPP informa que o referido inquérito, assim que concluído, terá o relatório final encaminhado ao Juízo. A autoridade policial, após a análise das provas nos autos, concluiu pelo indiciamento de nove agentes por homicídio culposo. Tal informação foi remetida em despacho ao Ministério Público e ao Judiciário no último dia 23.

A reportagem não conseguiu localizar a defesa dos PMs.

O que diz o Ministério Público

A assessoria do órgão foi procurada a respeito da investigação e informou* que “o caso ainda não foi relatado para o Ministério Público”.

*Atualização: havíamos informado erroneamente que o MP arquiva o caso. Na verdade, o órgão pode pedir o arquivamento e a decisão final cabe ao Tribunal de Justiça. A informação foi corrigida às 10h, de 25/6/2021, quando também incluímos resposta do MP.

Correções

*Atualização: havíamos informado erroneamente que o MP arquiva o caso. Na verdade, o órgão pode pedir o arquivamento e a decisão final cabe ao Tribunal de Justiça. A informação foi corrigida às 10h, de 25/6/2021, quando também incluímos resposta do MP.

Já que Tamo junto até aqui…

Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

Ajude

mais lidas