Jovem que afirma ter sido cortada com canivete por apoiadores de Bolsonaro havia desistido de denunciar crime por causa da postura do delegado, para quem suástica é ‘um símbolo de amor’
O chefe da Polícia Civil do Rio Grande do Sul, Emerson Wendt, anunciou em sua conta do Twitter que os policiais vão investigar o caso da jovem de 19 anos que teria sido agredida e riscada com uma suástica nazista na barriga na última segunda-feira (8/10), em Porto Alegre. Na noite de ontem (10/10), o delegado responsável pelo caso Paulo César Jardim, titular da 1º DP de Porto Alegre, havia suspendido as investigações após a vítima desistir de representar criminalmente os agressores.
Em virtude dos vários questionamentos feitos, via mídias sociais e pelos jornalistas, informo que solicitei ao Diretor do DPM @delfabiolopes, que sejam feitas diligências complementares sobre a lesão na jovem de 19 anos para que possamos esclarecer as dúvidas sobre o fato.
— Delegado Emerson Wendt (@EmersonWendt) October 11, 2018
Uma amiga próxima da vítima, que não quis se identificar por estar recebendo ameaças, contou à Ponte que a jovem desistiu da representação contra os três homens por medo de novas agressões e por conta das declarações do delegado responsável pelo caso.
“Ninguém sabe o que a gente está passando. Inclusive deletei meu Facebook porque tentaram hackear e estão me mandando diversas mensagens ameaçadoras. Estamos com medo e esse foi um dos motivos dela desistir de denunciar, junto com a fala do delegado do caso”, contou.
Ao receber o caso, o delegado Paulo Jardim afirmou, em entrevista à Rádio Gaúcha na tarde desta quarta-feira (10/10), que a imagem riscada na pele da jovem não era um símbolo nazista e que era uma imagem que representava ‘amor, paz e harmonia’.
O chefe da PC, em sua declaração no Twitter, afirmou ainda: “Não podemos deixar de analisar todas as circunstâncias que envolvem a alegada agressão, sua motivação e como teria ocorrido. Também, cabe a verificação de incidência de algum outro tipo penal”.
A coordenadora geral da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul (ALRS), Ariane Leitão, contou à Ponte que atendeu a vítima na delegacia e que ela estava bastante assustada. “Além do crime ter uma causa política, ele envolve ódio à questão da orientação sexual, o que também é muito forte. Ela foi torturada por alguns minutos por esses homens que, enquanto faziam a marca nela, falaram coisas sobre ela ser uma mulher lésbica e sobre ela ser contra o candidato Bolsonaro”, explicou.
Em entrevista à Ponte, o delegado Paulo Jardim afirmou que a vítima não estava identificada como LGBT e nem com adesivo contrário ao candidato do PSL. “Ela desmentiu essa história, disse que não tava com nada que identificasse isso”, disse.
Segundo a comissão da ALRS, a declaração do delegado não condiz com a realidade. “Ela, sim, estava com adesivos do ‘Ele Não’, ela estava identificada. Sim, se trata de um crime político, analisando o que ela falou e conversando com as advogadas dela. Além disso, é um crime que envolve ódio à questão da orientação sexual dela, principalmente por ser mulher. Ela é uma menina que não tem os estereótipos que eles aceitam, é uma menina lésbica”, contou Ariane.
A assessoria de Secretaria de Segurança Pública do RS informou que a investigação foi retomada por conta de uma indicação do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) para averiguar o caso. A assessoria do MP gaúcho informou que não houve uma indicação formal, visto que a PC tem 6 meses para arquivar ou submeter a inquérito o fato ocorrido. Porém, como existe uma boa relação entre as duas instituições, indiretamente foi sugerido reabrir a investigação.
Confira a entrevista concedida pelo delegado Paulo Jardim à Ponte sobre as divergências do caso:
Ponte – Por que o caso foi dado como encerrado no primeiro momento?
Delegado – Porque ela não quis denunciar, ela não teve interesse, ela não queria nem registrar o B.O., só registrou porque as amigas insistiram…
Ponte – Por que o senhor voltou atrás para investigar o crime?
Delegado – Para que não aconteça outras vezes, para evitar qualquer ação violenta relacionada. Nós vamos investigar a lesão corporal que ela tem.
Ponte – Ela disse que foi agredida com socos também. Havia hematomas nela? Foi feito exame de corpo e delito?
Delegado – Sim, ela afirmou isso. Havia hematomas também. O exame foi realizado, mas o resultado ainda não saiu.
Ponte – Por que o senhor qualificou o crime como lesão corporal leve e não como crime de ódio?
Delegado – Porque não foi um crime de ódio.
Ponte – Mas ela estava com o adesivo do ‘Ele Não’ e uma bandeira LGBT, delegado…
Delegado – Ela desmentiu essa história, disse que não tava com nada que identificasse isso.
Ponte – Delegado, pessoas próximas da garota afirmaram que um dos motivos dela não ter entrado com a representação foi por medo e também por suas declarações de que a imagem riscada com um canivete nela significava ‘paz e harmonia’. O senhor não acha que essa declaração sua atrapalhou?
Delegado – Mas é uma imagem que significava isso, vai olhar no Google e responda você mesmo sua pergunta.