Cidinha da Silva: ‘meu interesse é trazer histórias e olhares que são caros para mim’

Lançando A menina linda e outras crônicas, escritora mineira foi convidada da Ponte para falar sobre literatura infantojuvenil, educação antirracista e políticas públicas voltadas à leitura

Escritora renomada, Cidinha da Silva conecta literatura e ancestralidade ao trabalhar em seus textos a sua visão do mundo. Mulher negra e periférica, nascida em Belo Horizonte (MG), começou desde cedo a ler e escrever, mesmo que não encontrasse muitas vezes personagens com semelhanças físicas e vivências parecidas com a sua. A escritora mineira passou a escrever suas próprias histórias para mudar essa perspectiva.

O seu mais novo livro, A menina linda e outras crônicas, lançado pela editora Oficina Raquel, foi tema de um bate-papo promovido pela Ponte no Youtube e comandado pela editora de relacionamento Jessica Santos. Durante a conversa, Cidinha contou como se descobriu escritora a partir de suas raízes e comentou como trabalha a literatura infantojuvenil.

Ao todo, já são 20 livros publicados, dos quais se destacam os premiados Um Exu em Nova York (Pallas Editora), vencedor do Prêmio Biblioteca Nacional 2019, e O mar de Manu (Editora Autêntica), que foi eleito pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) o melhor livro infantil de 2021. As obras tratam das relações raciais e da história afrobrasileira.

Em A menina linda, Cidinha traz uma coletânea de textos sobre infância, racismo, ancestralidade, empoderamento feminino, futebol e fala da importância da leitura e da cultura hip hop. Segundo ela, um dos grandes desafios dos escritores é impactar diferentes pessoas, de diversas faixas etárias, com sua escrita. 

“Esse livro reúne textos que estão muito voltados para adolescentes e jovens. O meu público é muito jovem e vai ficando cada vez mais jovem. E nesses textos eu reúno crianças e adolescentes como protagonistas, narradores, ou os textos têm uma ambiência que essa ‘molecadinha’ conhece bem”, explica na entrevista.

Cidinha diz que escrever para esse público e trazer esses assuntos significa ser mais do que uma referência para os leitores, sejam crianças, adolescentes ou adultos. É também uma referência enquanto escritora negra. “O meu interesse é sempre trazer histórias, olhares e pontos de vista que são caros para mim. Eu acho ótimo que possa haver essa identificação de várias pessoas. Mas o que tem mesmo é um interesse de trazer essas histórias e que essas histórias tenham lugar na literatura brasileira”, afirma.

Ações afirmativas e acesso à leitura

Cidinha da Silva aprendeu desde cedo na escola sobre a importância do acesso à leitura. Foi a partir dessa compreensão que ela escreveu em 2014 Africanidades e Relações Raciais: insumos para políticas públicas na área do livro, leitura, literatura e bibliotecas no Brasil, livro que faz um panorama sociocultural e racial dos desafios de se formar novos leitores brasileiros.

Durante a live, a escritora criticou a política de taxação dos livros e diz que as políticas públicas na área sofreram com um desmonte nos governos Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL). Duas de suas obras, entre elas Um Exu em Nova York, não foram aprovadas para o Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD). Apenas Os nove pentes d’África (Mazza Edições, 2009) foi incluído no programa. “Essa política de censura instalada nas políticas públicas de formação de acervo… são livros que vão para as bibliotecas escolares do Brasil inteiro. A medida em que um livro é censurado, você perde a possibilidade de alcançar milhares de estudantes, de diversas gerações”, explica.

“A gente está vendo, no apagar das luzes, como eles estão tentando aparelhar o MEC [Ministério da Educação], colocando a irmã do Paulo Guedes [Elizabeth Regina Nunes Guedes, presidenta da Associação Nacional das Universidades Particulares] e outras figuras públicas ligadas ao bolsonarismo no Conselho Nacional de Educação para tentar influir, barrar políticas voltadas para as universidades públicas”, aponta.

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Cidinha fala que a perspectiva para os próximos anos é de recuperação e diálogo entre o poder público e a sociedade civil para fortalecer as medidas de incentivo à leitura e a manutenção das bibliotecas. “Essas forças serão voz, poderão tensionar”, prevê a autora em relação à Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados, à Fundação Palmares e ao próprio Ministério da Educação.

A escritora também conta que pretende contribuir com mais livros de crônicas, romances e se aventurar escrevendo quadrinhos nos próximos meses. Além disso, Cidinha também participa de feiras literárias e é convidada para assinar as orelhas e os prefácios de livros como Quarto de despejo, clássico de Carolina Maria de Jesus, Palavra Preta, da poeta Tatiana Nascimento, e a edição especial de Um Defeito de Cor, da também mineira Ana Maria Gonçalves.

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