Colômbia, Rio de Janeiro, Palestina: mulheres na linha de frente

Mulheres contra a violência de Estado pelo mundo

Foto: May Donaria

‘A periferia é nossa Faixa de Gaza’

O mês de maio me marcou de forma muito dolorosa. As imagens que assisti tanto no Jacarezinho, no Rio de Janeiro, quanto na Faixa de Gaza, na Palestina, mostraram-me quão doente o mundo está. O mesmo senti nas imagens que chegam da Colômbia, embora a mídia brasileira, ou mesmo as redes sociais, tenham falado muito pouco sobre isso.

Eu nunca fui à favela do Jacarezinho, tampouco à Palestina ou à Colômbia. Mas existe algo que conecta a quem mora nessas localidades: nós estamos às margens. Seja no cenário nacional, regional ou global.

Mesmo em níveis completamente diferentes, nossas dores se cruzam pelos continentes. São os sentimentos de quem sempre viveu um apartheid, dito ou não dito: nossas comunidades estão do outro lado dos muros, físicos ou simbólicos.

Quando uma menina palestina de 10 de anos de idade se revolta em frente às câmeras, tentando explicar o óbvio, de que ela ainda é uma criança e não pode arrumar toda essa bagunça, eu me pergunto: onde é que estão os homens e as leis dos homens que matam crianças em todo o mundo?

“Que infância essas crianças têm e que traumas carregarão?” é o questionamento da jornalista e pesquisadora sobre a Palestina, Sâmia Teixeira, também mãe de duas meninas, durante entrevista concedida ao Nós, mulheres da periferia.

“A periferia é nossa Faixa de Gaza. É onde não entra serviço básico. Onde não chega dignidade, muito menos olhar e respeito da sociedade. Pobres pretos e periféricos estão às margens assim como os palestinos na Palestina ocupada ou refugiados pelo mundo”, é o que diz a pesquisadora ao comparar a realidade palestina com as periferias brasileiras.

Até o fechamento desta reportagem, 232 palestinos haviam sido mortos. Desse total, ao menos 63 eram crianças e 36 eram mulheres. Do lado israelense, 12 pessoas morreram. Os dados são da UNRWA (Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente). O cessar-fogo foi anunciado no dia 21 de maio, porém a tensão entre os grupos permanece.

Do Rio de Janeiro à Palestina: a militarização dos territórios

Em 2017, a jornalista comunitária e moradora do Complexo da Maré (RJ), Gizele Martins, foi convidada pelo Movimento BDS para representar os movimentos de favelas do Rio de Janeiro para conhecer de perto a Palestina. Foi lá que Gizele constatou que as armas, caveirões, helicópteros e demais armamentos utilizados nas favelas do Rio de Janeiro eram também israelenses, sendo testados contra a população palestina antes de chegar às comunidades do Rio.

Foto: Instituto Brasil Palestina

“A gente tem muita coisa em comum. O muro que temos na Favela da Maré, que chamamos de Muro da Vergonha, é espelhado nos muros do apartheid na Palestina. Os primeiros caveirões que chegaram nas favelas do Rio de Janeiro vieram do apartheid da África do Sul. Os novos caveirões vêm do apartheid da Palestina. As armas experimentadas no corpo palestino são as mais vendidas no Brasil e na América Latina. São muitas as relações que o estado terrorista brasileiro com o estado terrorista israelense têm comerciais e em detalhes. Eles financiam o apartheid na Palestina e financiam o genocídio da população negra moradora de favelas e periferias no Brasil”, me contou a jornalista.

Colômbia: a força que vem das mulheres e jovens contra a violência

Não tão longe daqui, um país vive um verdadeiro levante: Colômbia. Os nossos vizinhos da América Latina são tratados de forma silenciosa pela chamada grande mídia de nosso país, que não dá ênfase à força do povo nas ruas, muito menos à violência repressiva do Estado.

Se no Rio de Janeiro, a grande desculpa para a violência é a falsa guerra às drogas, na Colômbia, a extrema direita sempre afirmou que o país não avançava por conta das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).

Desde 28 de abril, o povo colombiano está nas ruas pedindo o fim das políticas neoliberais, que os impedem de acessar direitos mínimos, como educação e saúde. A maior parte desses ativistas são jovens, de origem indígena e mulheres.

Foto: Ivan Valencia

Para proteger seus filhos e os demais jovens que bravamente estão reivindicando por seus direitos, mulheres têm se reunido com escudos improvisados para protegê-los e se somar ao coro da luta colombiana. São as Mamás Primera Línea (Mães na Linha de Frente).

São mulheres que estão defendendo seus ideais e de seus filhos e filhas com o próprio corpo. “Exigimos coisas mínimas: direito ao trabalho, à educação, à saúde e à moradia e uma renda básica para alimentar nossa família”, diz Johana, em entrevista ao El País, que mostra que boa parte das mães militantes são também arrimo de família.

Para entender o contexto no qual isso acontece, e também como a violência de Estado na Colômbia também se assemelha ao cenário encontrado no Brasil, é que converso com a especialista em Colômbia, Amanda Harumy.

Mulheres na luta por seus territórios

Se por um lado a violência nos conecta, por outro a força motriz de mulheres aguerridas tanto no Rio de Janeiro, quanto na Colômbia ou Palestina nos dão uma lição: as mulheres estão na linha de frente da luta e proteção de seus territórios.

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Reportagem e entrevistas: Jéssica Moreira
Edição: Lívia Lima
Imagens: Iván Valencia/May Donaria/Instituto Brasil Palestina

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