Com 25 anos e diabético, Rafael morreu na prisão após quatro anos esperando julgamento

Justiça do RJ negou relaxamento da pena durante a pandemia e alegou que, por ter comorbidade do Covid-19, era mais seguro que ficasse preso. Secretaria de Administração Penitenciária não confirma se ele estava recebendo medicação

O mototaxista Rafael Pereira da Silva | Foto: Arquivo pessoal

O mototaxista Rafael da Silva Pereira morreu dentro de uma cela do presídio Alfredo Tranjan, no Rio de Janeiro, nesta sexta-feira (12/11), sem ter acesso a medicação vital para sua sobrevivência e sem ter seu caso julgado, mesmo depois de ter ficado três anos privado da sua liberdade. A causa da morte foi dada como embolia pulmonar. Diabético, o jovem de 25 anos, não teve o benefício de relaxamento da pena e poder cumprir prisão domiciliar. Segundo o juiz  Alexandre Abrahão Dias Teixeira, o cárcere era um lugar mais seguro e saudável para Rafael do que a sua própria casa.

Em abril do ano passado, o magistrado usou como jurisprudência para indeferir o pedido feito pela defesa a decisão tomada pelo desembargador federal Marcelo de Souza Granado, do Rio Grande do Sul. Em sua decisão, Dias Teixeira coloca o trecho de uma determinação de Granado para justificar que Rafael deveria permanecer preso: “A manutenção dos custodiados em ambiente prisional, principalmente daqueles que pertencem ao grupo de risco, é à medida que se apresenta mais segura no atual contexto”.

O Conselho Nacional de Justiça recomendou em 17 de março de 2020 que tribunais e magistrados a adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus no âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo. Porém, Alexandre Abrahão Dias Teixeira não seguiu o aconselhamento do CNJ.

De acordo com  o Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do CNJ, de março de 2020 até março de 2021, foram registrados 71.342 mil casos de Covid-19 dentro  do sistema prisional e unidades do sistema socioeducativo de todo o país.

“Por diversas vezes, durante a prisão do Rafael, eu alertei a Justiça sobre o seu problema de saúde. Durante o primeiro ano em que ele esteve preso eu ainda pude levar insulina para ele, mas depois fui proibida, porque a direção do presídio dizia que ele já estava tomando os medicamentos necessários”, conta a advogada Fernanda Neiva. Segundo ela, Rafael era portador de diabetes tipo 1, onde é necessária a aplicação de insulina duas vezes ao dia.

Outro pedido feito pela defesa do mototaxista foi para que fosse julgado o mais rápido possível, já que o caso não tinha nenhuma complexidade e estava preso há quase quatro anos. Nesta terça (16/11) a advogada protocolou um comunicado  ao III Tribunal Do Júri Da Comarca Da Capital no Rio de Janeiro onde informa da morte de Rafael.

“Venho com muita tristeza informar que já não se faz necessário qualquer movimentação para a realização do plenário designado somente para 10 de maio de 2022, uma vez que Rafael Da Silva Pereira veio a óbito dentro do Presídio Alfredo Tranjan no dia 12 de dezembro do corrente ano.  A Justiça foi feita? Tenho certeza que não. Mas Rafael foi julgado e teve como veredito a morte”, escreveu Fernanda Neiva.

Baleado e preso 

Trabalhando como mototaxista, Rafael pegou um passageiro na saída de um baile funk na comunidade da Fazendinha, no Complexo do Alemão, no dia 17 de agosto de 2017. O passageiro estava armado, e segundo a versão da defesa, ao cruzar com policiais  da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da região, houve uma troca de tiros. Rafael foi atingido com um tiro na perna e levado para uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), e foi preso enquanto ainda se recuperava do disparo.

Na audiência de custódia realizada no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Rafael não esteve presente, já que estava hospitalizado, e a juíza Letícia D’aiuto de Moraes Ferreira Miichelli excluiu qualquer ilegalidade na prisão e considerou que o flagrante foi “formal e perfeito”. 

“Os policiais, em depoimento, disseram que nunca tinham visto o Rafael na comunidade trabalhando como motoboy ou mototaxista, mas que tinha uma foto dele na UPP. Anexei no inquérito várias fotos onde ele aparece em cima da moto trabalhando, mas isso não foi levado em consideração pela polícia”, afirma Neiva.

Sem resposta

A reportagem procurou a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro para saber se Rafael estava recebendo insulina para o tratamento da diabete dentro da penitenciária, e com o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro perguntado porquê o juiz Alexandre Abrahão Dias Teixeira não se valeu da recomendação do CNJ para abrandar a pena do mototaxista.

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Até a publicação deste texto as duas instituições não se manifestaram.

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