Polícias Civil e Militar mataram 56 pessoas em julho deste ano, 13 delas entre os dias 28 e 31, no Guarujá; em 2022, foram 31 vítimas no total e a cidade não tinha registrado nenhuma morte por agente do Estado
As estatísticas oficiais do governo de São Paulo mostram que 13 pessoas foram mortas pela Polícia Militar na Baixada Santista nos últimos quatro dias de julho, depois da morte do soldado da Rota Patrick Bastos Reis, no Guarujá, litoral sul paulista. Dez eram negras, duas tinham a pele branca e não há essa informação em um caso. Essas pessoas corresponderam a 23% das vítimas pelo braço armado do Estado em julho deste ano.
O sétimo mês de 2023 aumentou o número de casos registrados como mortes decorrentes de intervenção policial em 80% comparado ao mesmo mês de 2022, indo de 31 para 56 vítimas, voltando a registrar aumento em relação a julho do ano anterior após três quedas seguidas. No Guarujá, por exemplo, julho de 2022 não teve nenhuma morte praticada pelas polícias.
A alta no número de vítimas da polícia paulista, no entanto, não começou depois do assassinato do soldado da Rota. Nos dias que a PM matou 13 no Guarujá, entre 28 e 31 de julho, outras duas pessoas foram mortas por policiais civis na cidade de São Paulo. Todos esses casos foram registradas como morte decorrente de intervenção policial, e divulgados no Portal da Transparência da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo na última sexta-feira (25/8).
O dia 28 de julho marcou o início da Operação Escudo, que mobiliza há um mês policiais de todos batalhões do Estado em ações violentas em bairros pobres com a justificativa de combater o tráfico de drogas. Nesses 30 dias de operação, pelo menos 22 pessoas foram mortas e mais de 600 pessoas foram presas, segundo a pasta.
O aumento aconteceu principalmente quando os PMs estavam em serviço, de 23, em julho de 2022, para 33 em julho deste ano, apesar do programa de câmeras nas fardas que havia reduzido os índices no ano passado. A Polícia Civil matou outras seis pessoas no mês, sendo que três vítimas durante a folga, e outras três em serviço.
No acumulado do ano, entre janeiro e julho, houve 277 mortes decorrentes de intervenção policial no Estado de São Paulo: 251 pessoas foram mortas por policiais militares, e outras 26 tiveram a vida tirada por policiais civis. O número é 17,8% maior do que o mesmo período do ano passado, quando foram registradas 213 mortes cometidas pela PM, e 22 pela Polícia Civil.
Para a diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, apesar de os números apontarem o aumento da letalidade policial desde o início do ano, havia certo receio para avaliar uma mudança de tendência devido às quedas ininterruptas dos últimos três anos. No entanto, Carolina ressalta que “parece que há, sim, uma inversão”.
“Para que a letalidade se mantenha em patamares baixos é preciso de uma política de uso da força, que foi implementada nos últimos três anos, que inclui a criação da comissão de mitigação de risco, implantação de armamentos menos letais, como as pistolas taser, acompanhamento psicológico para os policiais e o fortalecimento do programa Olho Vivo”, afirma a pesquisadora.
Ainda de acordo com Carolina, essas medidas precisam estar acompanhadas de decisões políticas que coloquem o uso correto da força como uma prioridade. “Acompanhando um pouco do que tem acontecido no Estado de São Paulo, nos parece que essa prioridade mudou.”
Uma das formas de verificar se o uso da força pelas polícias é abusivo é a comparação das mortes praticadas pelas polícias com o número de vítimas de homicídios dolosos. Considerando os sete meses deste ano, essa proporção foi de 15%. No mesmo período de 2022, foi de 12%.
Estudos do sociólogo Ignacio Cano consideram que a proporção ideal é de no máximo 10% de mortes pelas polícias em relação ao total de homicídios, enquanto o pesquisador Paul Chevigny sugere que índices maiores de 7% seriam considerados abusivos. Outra maneira é a comparação das mortes praticadas pelas polícias com o número de policiais mortos, porém, as corregedorias das polícias Civil e Militar ainda não haviam publicado o dado de julho até esta segunda-feira (28/8).
Na avaliação de Carolina, as discussões acerca da situação da “Cracolândia”, cena aberta de consumo e venda de drogas no centro da capital, e as justificativas para a manutenção da Operação Escudo mesmo após as prisões dos suspeitos de participação no crime que vitimou o policial da Rota, indicam essa nova direção da segurança pública paulista.
“Se a prioridade é a ‘Cracolândia’, tirar pequenos traficantes das ruas recorrentemente, ainda que isso seja ‘enxugar gelo’, e essa forma de enfrentar o crime organizado, não dá para que a prioridade também seja o correto uso da força”, afirma. “Para manter os níveis de letalidade controlados é preciso dar uma prioridade a isso por parte do governo, que parece que não está sendo dada agora. Então, acho que mudou a prioridade e nos parece que usar a força letal de forma mais excessiva não tem sido um problema.”
Homicídios em queda
Enquanto o número de mortos pelas polícias de São Paulo aumentam, os dados de vítimas de homicídios dolosos seguem caindo no Estado. Em julho de 2023 foram 170 mortes causadas intencionalmente, uma redução de 38% comparado ao mesmo mês do ano passado.
É o quarto mês seguido de queda deste indicador no Estado na comparação com o mesmo mês do ano passado. Apenas janeiro e março deste ano tiveram mais vítimas de homicídios dolosos do que no mesmo período de de 2022.
No acumulado do ano, São Paulo teve 1.561 vítimas de homicídios dolosos, redução de 9,6% na comparação com janeiro a julho do ano passado.
O que diz o governo
Por meio de nota, a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, sob o comando do secretário Guilherme Derrite, disse que “investe permanentemente no treinamento do efetivo e em políticas públicas para reduzir as mortes em confronto, com o aprimoramento nos cursos, aquisição de equipamentos de menor potencial ofensivo, entre outras ações voltadas aos policiais civis e militares”.
Para justificar o aumento da letalidade policial após três anos em queda, a secretaria diz que “os números indicam que a principal causa das mortes decorrentes de intervenção policial não é a atuação da polícia, mas sim a opção de confronto feita pelo infrator”. Afirma ainda que há uma morte para cada 534 prisões realizadas no Estado.
Por fim, a nota diz que “todos os casos dessa natureza são investigados, encaminhados para análise do Ministério Público e julgados pelo Poder Judiciário, inclusive, os casos relacionados à Operação Escudo, deflagrada para sufocar o tráfico de drogas na Baixada Santista”.