Filme feito com apoio de empresários e policiais ataca direitos humanos e encanta molecada fã da violência policial
Que tal aproveitar uma manhã ensolarada de domingo para se enfiar numa roupa preta e gastar R$ 15 num cinema para ver um documentário de 45 minutos, produzido com o apoio da Polícia Militar e da elite empresarial de São Paulo, que ataca os direitos humanos e a mídia, e ainda ganhar a oportunidade de tirar fotos ao lado de homens conhecidos por matar dezenas de pessoas?
Outro colaborador importante foi a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. O nome da Fiesp aparece com destaque no começo do filme e nos cartazes da produção. Ainda assim, a Federação parece não se sentir à vontade com o apoio, já que sua assessoria de imprensa se recusou a responder às perguntas feitas pela Ponte, desde 11 de junho, sobre a participação da Federação no filme.
ATUALIZAÇÃO em 27/6 – Em nota, a Fiesp afirma que “apoiou o evento de lançamento do filme com a locação de sala para exibição, em 27 de maio de 2014, no Shopping Plaza Sul”. Sobre o documentário, a nota diz que “relata como foi a criação e o trabalho realizado pela Rota, pela visão de pessoas que de alguma forma participaram ou estiveram envolvidas com a instituição, incluindo o documentarista”.
Rota na pele
O elo mais visível entre as gravatas da Fiesp e as boinas-pretas da Rota é a figura de Antonio Ferreira Pinto, oficial aposentado da PM e ex-procurador do Ministério Público que, entre 2009 e 2012, atuou como secretário da Segurança Pública, nas gestões de José Serra e Geraldo Alckmin. Na sua gestão, Ferreira Pinto colocou a Rota na linha de frente da repressão ao PCC (Primeiro Comando da Capital). No segundo semestre de 2012, a estratégia deu início a uma guerra, em que o crime organizado matou pelo menos 26 PMs na Grande SP, enquanto a ação de policiais fardados e de grupos de extermínio (alguns comprovadamente formado por policiais, como na chacina do Jardim Rosana) provocou centenas de mortes na periferia.
http://youtu.be/Ry9zVhvdxXM?t=
Um dano colateral da guerra de 2012 foi a perda do cargo para Ferreira Pinto. Ele deixou a pasta da Segurança Pública em novembro, mas se manteve próximo ao poder, como assessor estratégico do presidente da Fiesp, Paulo Skaf. Neste ano, Skaf se lançou pré-candidato ao governo estadual e convidou Pinto a acompanhá-lo na empreitada. O ex-secretário hoje acumula a dupla função de candidato a deputado federal e responsável pelo projeto de Skaf na área de segurança pública. Também faz parte da equipe o ex-governador Luiz Antonio Fleury Filho, que comandava o Estado durante o massacre de 111 presos na Casa de Detenção do Carandiru, em 1992.
Ferreira Pinto é um dos entrevistados que mais dão as caras no documentário de Elias Júnior, despejando frases de efeito sobre a Rota (“pode ser igualada, mas nunca superada”) e reclamando dos jornalistas que chamam de “suspeitos” as pessoas mortas pela PM, em vez de apenas aceitar a versão oficial e dizer que são bandidos. O ex-secretário também ataca as normas que obrigam o PM a se afastar temporariamente do serviço após matar alguém em serviço, lembrando que essa prática atrapalha o “bico”, que é “um direito do policial”.
Os astros do filme, mesmo, são outros: os oficiais da Rota, da ativa ou da reserva, como os vereadores Paulo Telhada (PSDB), com 36 mortes no currículo, e Conte Lopes (PTB), que afirma ter matado mais de cem, ambos tietados como celebridades pelos fãs do batalhão.
“O Telhada está na Europa, mas você pode tirar foto com o Conte Lopes. E tem outros capitães da Rota também”, informa uma funcionária da HDV Studio, produtora do filme, na entrada do cine Bristol.
Como uma pré-estreia das franquias Harry Potter ou Jornada nas Estrelas, a exibição atrai adolescentes fantasiados. Só que, em vez de capas mágicas ou orelhas pontudas, a molecada faz cosplay da Rota. As peças da fantasia são as boinas pretas, compradas por R$ 60 na internet ou em lojas de uniformes, e as camisetas escuras com o R de Rota em amarelo, que saem por R$ 35 no próprio Quartel da Luz, onde podem ser adquiridas durante as visitas que o batalhão recebe nas tardes de sexta-feira.
E tem quem leve a tietagem na pele, feito uma professora com cabelo rosa que faz questão de tirar uma foto ao lado de Conte Lopes exibindo o R de Rota tatuado no braço esquerdo.
“Mente fraca, maconheira e vadia”
“Quero ser policial para ajudar a população. A PM trabalha para tirar o mal das ruas”, afirma o estudante M.W., 15 anos, que foi à sessão acompanhado de outros quatro amigos, todos fantasiados de “rotarianos”. O adolescente é o criador de uma comunidade no Facebook chamada Admiradores da Polícia Paulista. Ali, na sua cruzada em defesa da polícia, ataca mulheres, maconheiros e frequentadores de bailes funk.
Comentando sobre uma menina que escreveu que gostaria de “fumar aquele baseado e fazer um amor”, M. escreve: “Como será que vai ser o futuro de uma garota desse tipo ? (Analfabeta, mente fraca, maconheira e vadia)”. Sobre uma foto da Tropa de Choque, seu recado é “Muitos criticam, mas, a regra é simples. Basta andar dentro da lei”. A respeito de um jovem morto num baile funk, diz que “quem vai para bailes funk o final é esse mesmo”.
…o que mais atrapalha o trabalho da Rota é “um grupo chamado direitos humanos”
Primo de um PM assassinado, M. diz que sempre quis ser policial, desejo que ficou mais forte no ano passado, quando conversou com PMs da Rota num mercado em Guaianazes, bairro periférico da zona leste, onde mora. Os policiais o convidaram para assistir à festa de aniversário da tropa, realizada em 15 de outubro, e o estudante se encantou com o que viu.
Segundo M., muitos moradores de Guaianazes não partilham da sua admiração pela polícia, mas ele não liga. “Eles falam sem saber. A polícia só prende bandidos”, diz. Se tem algo que M. não gosta, é do “pessoal dos direitos humanos”. “Eles defendem bandidos e não dão apoio para a polícia”, diz.
Só elogios
O discurso do adolescente é o mesmo do documentário. Com uma entonação de trailer de filme de terror, o narrador afirma que o que mais atrapalha o trabalho da Rota é “um grupo chamado direitos humanos”. São “os direitos dos manos”, que só servem para proteger bandidos, complementa o radialista e ex-deputado estadual Afanásio Jazadji, atacando também a “imprensa esquerdista” que manipula as informações sobre os policiais.
O filme mistura cenas reais com encenações. Nas cenas de tiroteio, claramente encenadas, os PMs só matam para não morrer, atiram contra bandidos armados. Os atores Oscar Magrini e Paola Oliveira, filha de um capitão da Rota, aparecem nos depoimentos, sempre fazendo elogios à corporação.
E não são só eles. A Verdadeira História da Rota, que deve ser a primeira parte de uma trilogia, não busca parecer isenta: só há espaço no filme para falar bem dos policiais. No documentário, Elias segue a mesma linha do seu primeiro filme, a ficção Rota Comando, de 2009, que contava com a participação especial de Conte Lopes. Longe dos cinemas e ignorado pela crítica, o filme virou um sucesso, em versão pirateada, nas barracas dos camelôs.
Num depoimento em seu canal no YouTube, Elias conta que, após Rota Comando, recebeu total apoio de Telhada, comandante da Rota entre 2009 e 2011, para rodar o documentário. “Seja bem vindo à Rota. Essa casa é sua e de toda a população de São Paulo”, teria dito o comandante.
No mesmo canal, Elias mostra com orgulho o dia em que recebeu no Quartel da Luz a medalha Brigadeiro Tobias, usada para homenagear PMs e outros militares. Pelo decreto que instituiu a homenagem, civis só podem receber a medalha “a título excepcional”, quando tiverem prestado “excepcionais serviços” à PM. Parece ter sido o caso.
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