Com base na palavra de PMs, comerciante nigeriano é condenado a 9 anos de prisão por tráfico

Família denuncia que Bright Ebebe foi acusado injustamente após uma abordagem em abril de 2021 e que PMs sumiram com parte do dinheiro que ele carregava; juíza argumentou que policiais não teriam motivo para mentir

O comerciante nigeriano Bright Ndubuisi Ebebe vive no Brasil há sete anos e está há quase um ano na Penitenciária de Itaí, no interior de SP. | Foto: arquivo pessoal

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo condenou o comerciante nigeriano Bright Ndubuisi Ebebe, 39 anos, a 9 anos, 6 meses e 10 dias de prisão em regime fechado, além de pagamento de 692 dias-multa, por tráfico de drogas e corrupção ativa. Em abril, a família dele denunciou à Ponte que ele foi acusado injustamente após uma abordagem policial em 2021, a pouco mais de 200 metros da sua casa, quando para o bar onde trabalha como gerente, no bairro de Guaianazes, na zona leste da capital paulista.

De acordo com a a esposa dele, a copeira Adriana Lídia Coriolano Ebebe, 30 anos, Bright levava US$ 10 mil e R$ 30 mil em dinheiro que pretendia guardar no cofre do bar para poder comprar mercadorias e realizar pagamentos. Além disso, ele não fala português com facilidade, tendo fluência apenas em inglês. Quando soube da sentença, na terça-feira (27/9), Adriana ficou muito abalada. “Está sendo muito difícil para mim. Eu não aceito essa injustiça”, disse à reportagem. Ela pretende recorrer da decisão.

O marido ainda não sabe da sentença. “A doutora Nathalie vai comunicar presencialmente pois meu marido tem pressão alta”, lamenta. “Eu não tenho condições de dar essa notícia.” Os dois estão juntos há cinco anos e têm dois filhos pequenos.

Os policiais militares do 4º Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep) disseram que, em 22 de abril de 2021, decidiram abordar Bright porque o comerciante aparentava “nervosismo” com a proximidade da viatura. Os PMs afirmam que encontraram com ele uma bolsa um saco plástico contendo 938,3 gramas de cocaína, três celulares, a quantia de R$ 2.240,00 e, no bolso da jaqueta, a quantia de US$ 1.254,00, que supostamente seria entregue a uma pessoa que o aguardava em um carro preto na Avenida Itaquera, que nunca apareceu. Também disseram que Bright tentou suborná-los com o pagamento de R$ 30 mil para que não fosse preso.

A juíza Luciane Jabur Mouchaloite Figueiredo, da 21ª Vara Criminal do Fórum da Barra Funda, acolheu os pedidos do Ministério Público e não acreditou no argumento de Bright para estar com a quantia em dinheiro vivo, sob a justificativa de que ele “não juntou comprovante(s) de recebimento das vultosas quantias que alegou possuir, tampouco trouxe testemunhas que pudessem ratificar que lhe foi confiada a guarda de tanto dinheiro”, já que os dólares seriam de amigos estrangeiros. A defesa dele juntou uma série de extratos bancários de janeiro de 2020 a abril de 2021 que comprovam que Bright já movimentava dinheiro como capital de giro de sua atividade comercial compatíveis com as quantias que ele carregava no dia 22.

A magistrada também não aceitou a tese da defesa de que os policiais forjaram o flagrante e roubaram parte do dinheiro. A advogada Nathalie Guimarães questionou o fato de a abordagem ter sido documentada como ocorrida às 12h50, mas os policiais só acionam o Centro de Operações da PM (Copom) às 14h33 sem informar que iriam averiguar um suposto endereço onde Bright supostamente entregaria a droga. Também questionou o fato de que os policiais o levaram para uma delegacia mais longe, onde a ocorrência foi registrada só 11 horas depois.

Luciane Figueiredo entendeu que essa questão foi “suficientemente esclarecida pelos policiais”, por terem relatado e apresentado como testemunha um presidente do conselho de moradores de um edifício próximo ao suposto endereço de entrega da droga, que disse que seria comum o tráfico naquela região. E também porque explicaram que Bright foi primeiro levado ao 67º DP (Jardim Robru) e depois ao 50º DP (Itaim Paulista) porque as duas delegacias estavam funcionando no mesmo prédio por conta de reformas.

Na sentença, a juíza argumentou que, se os policiais fossem de fato desonestos e tivessem roubado o dinheiro de Bright, não teriam apreendido e apresentado as quantias em reais e em dólares na delegacia. Disse, ainda, que os PMs não teriam razões para mentir. “Portanto, se tivessem agido de má-fé e com intenção criminosa, nesse contexto, certamente teriam se apropriado da quantia que foi depositada em conta judicial. É a maior prova de honestidade dos policiais ouvidos. Acresça-se, no mais, que a idoneidade e a credibilidade dos milicianos não foram abaladas pelos argumentos da defesa constituída, que nada demonstrou de concreto contra eles”, escreveu.

A defesa do comerciante, que pediu e obteve a perícia dos celulares, apontou que nada que o vincule ao tráfico de drogas ou a atividades criminosas foi encontrado, além de terem sido localizados arquivos de boletos e pagamentos de contas. Contudo, a magistrada entendeu que isso não é prova suficiente, porque existem outros meios de se comunicar sobre atividades ilícitas. Para ela, o depoimento de colegas de Bright que relataram que policiais já abordaram trabalhadores do bar de forma truculenta e levaram pertences também não se sustentou porque não foram anexadas provas que confirmassem essas denúncias.

Para calcular a pena, a juíza levou em conta a quantidade de droga, os valores em reais apreendidos, o suposto suborno, a questão da calamidade pública (por ter sido preso quando a pandemia de Covid-19 estava no auge) e a crença de que Bright estaria “inserido no mundo da criminalidade e das drogas e detinha posição de confiança na teia do tráfico, haja vista sua responsabilidade no transporte de quase um quilo de cocaína em pasta-base, de alto valor financeiro”.

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No entanto, o comerciante não tem antecedentes e a Polícia Civil não apontou o envolvimento dele em nenhuma organização criminosa. A juíza também não permitiu que Bright recorra em liberdade, pela gravidade do crime.

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