Com ‘ideias de coach’, Marçal quer GCM no papel de polícia

Especialistas criticam proposta de transformar programas sociais em “Jornada da Prosperidade”, voltada ao empreendedorismo

O candidato Pablo Marçal | Foto: Facebook/Reprodução

O plano de governo de Pablo Marçal (PRTB) propõe uma Guarda Civil Metropolitana (GCM) atuando exclusivamente na “prevenção e interrupção de crimes”. Para o candidato à prefeitura de São Paulo, os agentes devem abandonar funções de zeladoria como a fiscalização de trânsito. Equipados com os “melhores armamentos e equipamentos de ponta”, os agentes devem atuar na porta de escolas, em comércios e parques, diz o texto. Especialistas ouvidos pela reportagem classificaram as propostas como “absolutamente genéricas”, e com o DNA do bolsonarismo, apesar de o candidato não ser o nome de Jair Bolsonaro na disputa.

A Ponte analisou os planos de governo dos cinco candidatos mais bem colocados nas pesquisas eleitorais. Foram consultados especialistas que analisaram as propostas dos candidatos para as áreas de segurança pública, políticas públicas para pessoas em situação de rua e direitos humanos, além de ações previstas para a região de cena aberta de uso de drogas, conhecida como “Cracolândia”.

Leia a análise dos planos de governo dos demais candidatos à prefeitura de São Paulo

Marçal e a vice Antônia de Jesus (PRTB) apresentam as propostas no plano intitulado “Construindo a São Paulo do Futuro: segura, próspera, moderna e com gestão”. A promessa é levar São Paulo a 2050 em 2028 (ano em que termina o mandato do próximo prefeito).

Quando fala de segurança pública, o ex-coach diz que usará tecnologia de prevenção e combate ao crime. Sua ideia é criar uma central de operações que atue em conjunto com o governo do Estado. Pela proposta, até mesmo a iniciativa privada teria acesso a informações de escolas públicas e da saúde dos paulistanos. Nesse conceito de vigilância, o plano planeja incluir câmeras até nos caminhões de lixo para monitorar a coleta e o descarte adequado. Já câmeras corporais para a GCM não foram mencionadas.

Leia plano de governo de Pablo Marçal

Marçal quer uma GCM mais armada e com foco exclusivamente na segurança pública. Afirma que a guarda deve ter o efetivo triplicado (hoje, a corporação conta com cerca de 7 mil agentes). O programa não especifica de onde viriam os recursos.

Cristina Neme, coordenadora de projetos do Instituto Sou da Paz, define o plano de Marçal como uma mera carta de intenções. “Ele traz os principais temas, mas não apresenta ações concretas para efetivar soluções”, afirma. Sobre a GCM, ressalta ela, seria preciso também propor medidas que garantam a permanência desses agentes na corporação. “Só falar que vai triplicar não resolve muito.”

Acácio Augusto, professor do departamento de Relações Internacionais da Unifesp e coordenador do Laboratório de Análise de Segurança Internacional e Tecnologias de Monitoramento (LASInTec), também considera as propostas de Marçal inócuas. “É um programa de coach”, diz.

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O pesquisador avalia que o candidato joga com a sensação de insegurança para conquistar o eleitorado. Isso aparece no plano. O ex-coach cita levantamento feito em 2019 pela Rede Nossa São Paulo que mostra que 85% dos moradores não se sentiam seguros para circular a pé na cidade.

Acácio considera que a capital paulista convive com problemas como furtos, roubos e a cena aberta do uso de drogas, mas não enfrenta conflitos armados na mesma proporção que o Rio de Janeiro. “A ideia de uma cidade insegura, violenta, contribui para a adoção e adesão popular a políticas linha-dura”, avalia.

Sobre o abandono do trabalho na zeladoria, ele afirma que “isso mostra o desconhecimento da própria configuração da Guarda Civil Metropolitana. Em tese, ela não deve ser elemento de segurança”.

Jornada da prosperidade

As políticas de assistência social propostas por Marçal têm como base parcerias público-privadas. O candidato diz que pessoas em situação de vulnerabilidade são “cronicamente dependentes do Estado” e sugere que cada uma delas passe por uma “Jornada da Prosperidade” — o que significa transformar programas sociais em trilhas de desenvolvimento pessoal.

Na proposta, voltada ao empreendedorismo, a prefeitura faria a ponte entre a oferta de empregos e a demanda da população. Para isso, Pablo promete usar a “vasta base de dados” do município para a busca de emprego e de contratadores.

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Acácio diz que a jornada de Marçal pega carona nos teóricos do neoliberalismo desde os anos 1930. A ideia é que o Estado teria papel de produzir oportunidades para um quadro jurídico favorável para as pessoas prosperarem. No caso do candidato, há também a ligação com o trabalho que ele desenvolvia antes da vida política.

Adilson Paes de Souza, pesquisador em segurança pública e pós-doutorando em psicologia social no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP), recusou-se a comentar as propostas do candidato do PRTB, “por entender que ele não traz proposta nenhuma e quer apenas utilizar a imprensa para se promover da pior maneira possível e ofender e atacar outros candidatos, bem como a democracia em geral”.

Mulheres, negros e LGBT de fora

O plano de Marçal não fala em combate ao racismo e homofobia. Já a violência contra a mulher é tratada no pacote “saúde da mulher” com uma proposta única. Será oferecido atendimento especializado às vítimas de violência doméstica “com acompanhamento psicológico e políticas públicas de conscientização”, sem que sejam especificadas quais.

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A ausência de políticas públicas diretamente voltadas para as mulheres, população negra e LGBT é representativa do campo político a que Marçal pertence, diz Acácio. O pesquisador argumenta que, mesmo que oficialmente o apoio de Bolsonaro seja ao atual prefeito, o candidato do bolsonarismo é Marçal. “A ausência dessas políticas é a marca, o apito de cachorro, do programa dele para esse discurso que não se curva à esquerda”, afirma.

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