Começa julgamento de PMs suspeitos de matar vítima de assalto

    Policiais são acusados de executar criminoso e a vítima do assalto.  Caso foi reaberto após denúncia à Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos.

     

    Dois policiais militares acusados de matar a vítima de um assalto, após confundi-la com um ladrão, em 2004, na zona leste de São Paulo, começaram a ser julgados nesta quarta-feira no Fórum Mário Guimarães, na Barra Funda (zona oeste). O caso chegou a ser arquivado pelo Ministério Público Estadual e foi reaberto depois que o Brasil foi denunciado à Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).

    Em 13 de setembro de 2004, Heládia Brandão se preparava para sair de casa, no fim da madrugada, quando foi abordada por dois ladrões, que levaram seu carro, um Fiat Palio. O então marido, Nélio Nakamura Brandão, tentou evitar o assalto, mas foi impedido pelos criminosos. Ele entrou em casa, pegou um revólver calibre 32 e saiu de moto à procura da dupla na região de Sapopemba.

    PMs em patrulhamento encontraram um dos suspeitos, Alexandre Roberto Azevedo Seabra da Cruz, com o carro da vítima. Segundo a acusação, ele foi executado pelo policial Luis Henrique de Brito Domingos com três tiros (um deles disparado por um tenente e dois por Brito, muito próximos um do outro, no peito). Já os PMs contam que ele foi baleado durante um confronto.

    Perto dali, Brandão foi assassinado também com três tiros, um pelas costas e dois no peito. Segundo o promotor Fernando Cesar Bolque, o PM Nilton Silvano é acusado de ter confundido a vítima com o ladrão. O representante do Ministério Público diz que nenhum policial sabe explicar, com precisão, até hoje, quem matou Brandão.

    “Eu me senti uma formiguinha no deserto”, Elisabete Brandão, mãe de Nélio

    No início das investigações, prevaleceu a versão dos PMs envolvidos no caso, de que o criminoso teria morrido durante uma troca de tiros e o corpo de Brandão foi encontrado já baleado. Houve uma reviravolta cerca de sete meses depois, em 2005, quando um tenente resolveu contar a versão hoje sustentada pela promotoria. Esse mesmo tenente foi absolvido, depois de se tornar réu no processo.

    “Meu japonesinho”

    Brandão era estudante de Direito e foi morto quando tinha 24 anos. Segundo a então mulher dele, Heládia, um dos policiais foi até a casa da família e contou que tinham baleado os dois ladrões, um deles o japonês que estava na moto. Foi quando a mãe do rapaz, Elizabete Nakamura Brandão, gritou “meu japonesinho”, e caiu em desespero. Os PMs então desconversaram e saíram de perto, sem falar mais nada. Pouco depois, já no hospital, ela teve a confirmação da morte do filho.

    Elizabete diz que espera por uma resposta da Justiça há dez anos e que se revoltou quando o caso foi arquivado. “Eu me senti uma formiguinha no deserto”, disse nesta quinta-feira, em um dos intervalos do júri. “É muita luta, dor e sofrimento”, afirmou. Segundo ela, o filho era uma pessoa alegre e inteligente, que queria se tornar juiz um dia.

    A mãe da vítima foi uma das 11 pessoas ouvidas neste primeiro dia do júri, que teve como réus os dois policiais acusados de disparar contra ladrão e vítima. Outros dois PMs ainda serão julgados, dentro do mesmo processo, por terem colaborado com a versão apontada pela Promotoria como fantasiosa, para encobrir a tragédia.

    Além de Elizabete, foram ouvidas Heládia, pessoas que trabalhavam na região, uma perita criminal e colegas de farda dos acusados. Comandante do 19º Batalhão da Polícia Militar na época, o coronel da reserva Valter Alves Mendonça chegou a tirar do sério o promotor ao afirmar que não sabia o que significava “arredondar uma ocorrência” no jargão policial (apresentar um caso na delegacia sem deixar dúvidas de que tudo ocorreu dentro da normalidade). Mendonça está na reserva depois de 39 anos como PM e foi réu no processo do Massacre do Carandiru.

    O júri segue nesta quinta-feira, quando serão ouvidos os réus e será realizado o debate entre acusação e defesa. Entre os jurados há apenas uma mulher, os demais são homens e aparentam estar na faixa dos 40 a 60 anos, a mesma dos acusados.

    Outro lado

    A advogada de Nilton Silvano, Ieda Ribeiro de Souza, defende a inocência de seu cliente e diz que não entende como o tenente que mudou de versão foi absolvido e está condenando os demais PMs. “Ele foi demitido da PM e a função dele aqui era se salvaguardar. O promotor pediu a absolvição do tenente. Tomou a posição dele como verdadeira, e isso não é o que aparece nos autos”, diz. “É toda uma situação muito confusa, porque, quando é vítima de um roubo, você não vai pegar uma arma e sair atrás dos ladrões. O que você faz é chamar a polícia.”

    O advogado de Luis Henrique de Brito Domingos disse apenas que o cliente não é culpado.

    Já que Tamo junto até aqui…

    Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

    Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

    Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

    Ajude

    mais lidas