Justiça francesa segue firme na decisão de manter presos policiais suspeitos de violência, contrariando os sindicatos da categoria, que afirmam: “lugar de policial não é atrás das grades”

Assim como no Brasil, a violência policial estampa atualmente as manchetes dos jornais franceses. Mas em um contexto bastante diferente.
A discussão inflamada e inflamável que ouvimos, seja nos debates entre especialistas nos programas de TV, nos posts e comentários das redes sociais ou entre simples mortais na fila do croissant, tem como motivo uma decisão do Tribunal de Apelação de Aix-en-Provence (cidade universitária da região de Provence-Alpes-Côte d’Azur, no sul da França). Na última quinta-feira (3/8), os juízes decidiram manter a prisão provisória de Christophe I., policial da Brigada Anti-Criminalidade (BAC), uma unidade das forças de ordem na França (a imprensa francesa omite os sobrenomes de envolvidos em episódio de violência).
Ele é acusado de ferir gravemente o jovem Hedi R., de 22 anos, no início de julho, durante uma das várias manifestações realizadas majoritariamente por jovens franceses para protestar justamente contra a violência policial cometida em 27 de junho contra Nahel M., um adolescente de 17 anos. Francês de origem magrebina, Nahel não obedeceu à ordem de parar em um controle de trânsito na cidade de Nanterre e foi morto à queima-roupa por Florian M., policial da unidade motorizada Brav-M, que também se encontra em prisão provisória.
Enquanto no Brasil massacres realizados pela polícia militar, como o do Carandiru, em 1992, seguem sem que um só policial condenado tenha parado atrás das grades, na França a Justiça segue firme na decisão de manter presos esses policiais antes mesmo de concluir o processo e mesmo com a presunção de inocência. Os magistrados argumentam que não se trata de uma pena, mas de uma medida preventiva para evitar que os agentes se comuniquem com seus pares de forma a combinar declarações e interferir nas investigações.
Manter policiais atrás das grades não agrada ao ministro do interior de Emmanuel Macron, o polêmico Gérald Darmanin. “Os membros das forças de ordem não podem ser as únicas pessoas na França para as quais a presunção de inocência não conta”, diz ele. Em artigo publicado em 4 de agosto no jornal Le Monde, 12 juristas da Ordem de Advogados de Paris responderam ao ministro argumentando que existem atualmente na França 19.991 pessoas presas em regime provisório, sem que o ministro jamais tenha se manifestado por elas. “Pedir um regime especial para os policiais é totalmente injustificado”, dizem.
As imagens do jovem Hedi R. sem uma parte do crânio e cego de um olho, após passar por diversas cirurgias depois de ter sido atingido por um tiro de bala de borracha na cabeça e espancado por vários policiais, mesmo depois de caído no chão, certamente colaboram para a decisão de manter a prisão preventiva. A agressão foi inteiramente filmada: impossível negar o abuso policial, e as afirmações dos sindicatos de polícia que dizem que “lugar de policial não é atrás das grades” têm o efeito de óleo jogado no fogo.
Entre 2010 e 2022 as mortes após intervenções policiais na França somaram 343 vítimas, colocando as forças de ordem francesas entre as mais violentas da Europa, mas a anos-luz do nível de barbárie da polícia brasileira, considerada uma das mais violentas do mundo.
O fuzilamento de pessoas como represália pela morte de um membro de força de ordem na França é algo que apenas algumas pessoas muito idosas conheceram e que hoje faz parte da história: era o que faziam os alemães nazistas quando organizavam as “rafles”, uma espécie de arrastão de pessoas, presas aleatoriamente, e fuziladas como “lição” quando algum soldado alemão era morto pelas organizações de resistência ao ocupante. Uma ferida ainda aberta que a maior parte dos franceses não quer ver ver aumentar.
Adriana Carvalho, jornalista e mediadora social, mora na França desde 2019. É membro do programa Tamo Junto, da Ponte Jornalismo