Prédio da Ocupação Mauá, uma das mais antigas da capital paulista, recebeu moradores das ocupações Prestes Maia e Ipiranga
O piso de concreto cinza a céu aberto se transformou em uma variedade de cores estampadas nas fileiras intermináveis de mesas e cadeiras, nos vestidos das crianças, na piscina de bolinhas, na árvore enfeitada, no disputado algodão doce e na companhia de diversas famílias quando o relógio batia as 20h. O pátio que costuma unir os blocos do prédio da Ocupação Mauá, localizada há 11 anos na região da Luz, abraçou no sábado (22/12) moradores das ocupações Prestes Maia, a maior da América Latina, e Ipiranga, que há dois meses resiste na avenida que dá seu nome – todas no centro da capital paulista.
Essa foi a primeira vez que as ocupações se reuniram para uma ceia coletiva de Natal entre os moradores, já que, pela falta de recursos, a única forma de marcar a comemoração era a entrega de sacolinhas de presentes para as crianças a partir da “vaquinha” dos ocupantes.
Voluntários e amigos de moradores se solidarizaram com os movimentos de moradia, principalmente após o incêndio que atingiu um andar inteiro de um dos blocos da Ocupação Prestes Maia, em novembro deste ano.
“Todo o ano a gente faz assembleia, faz análise de conjuntura, faz o sorteio dos presentes e acaba. Muitos chegavam do trabalho, vêm muitas vezes sem jantar, passa o tempo todo na assembleia e quando acaba ainda vai cozinhar a janta. Hoje é diferente”, pedia uma salva de palmas a coordenadora-geral Ivaneti Araújo.
As doações iam de alimentos à união para decorar o espaço e preparar a ceia. Cerca de 25 pessoas se revezaram entre sexta-feira e sábado para preparar os itens do cardápio, descascando cebolas, cozinhando os pernis. As 320 crianças de zero a 13 anos das três ocupações foram apadrinhadas e receberam presentes como roupas, calçados e brinquedos.
Tudo foi preparado com afeto para mil pessoas, para que o momento não fosse apenas um jantar, mas uma festa. Foram sorteados eletrodomésticos entre os moradores e a ceia se estendeu também aos garis que passam todos os dias na Rua Mauá e receberam cestas da ocupação.
Na ausência de um Papai Noel, os olhos de meninos e meninas brilharam com a presença de um dos atores da novela infantil “As Aventuras de Poliana” – que não conseguiu deixar o local antes da 1h30 da madrugada de domingo em vista dos frequentes cancelamentos de viagem de aplicativo de transporte, já que a região da Luz é estigmatizada por conter a Cracolândia, localizada na Praça Julio Prestes e a poucos quarteirões da Ocupação Mauá.
Apesar disso, a mensagem que se sobrepôs foi o fortalecimento da união, de que a luta por moradia é permanente, e o colorido que se fez presente alcance mais famílias. “De dois meses para cá a gente tem recebido tanto apoio, temos recebido tanta ajuda que eu parei e pensei: o que nós estamos fazendo está certo. O que nós fazemos é ocupar os imóveis vazios sem função social para dar vida. Quando eu vi aquilo que aconteceu na Prestes Maia, achei que era o fim de tudo, mas é o começo de uma corrente muito forte”, discursou Ivaneti.