Comunidade de Heliópolis vai às ruas apoiar morador contra abuso policial

Wanderson Felix, de 23 anos, foi arrastado de casa pela PM, acusado de dirigir um carro num roubo que ocorreu enquanto estava dormindo; ele não tem habilitação e afirma que sequer sabe dirigir

Wanderson Felix em protesto por sua inocência em Heliópolis
Wanderson Felix em protesto por sua inocência em Heliópolis | Imagem: Gil Luiz Mendes/Ponte Jornalismo

Parentes, vizinhos, amigos e ex-professores de Wanderson Félix percorreram as ruas de Heliópolis, maior favela da cidade de São Paulo, localizada na zona sul da capital paulista, na tarde deste sábado (14/5) para denunciar o abuso policial que o vendedor de 23 anos sofreu em fevereiro deste ano.

Policiais invadiram a casa onde o jovem mora com a família no início da madrugada e o levaram preso acusado de ter participado do roubo de um veículo, como o motorista da fuga. Segundo ele, estava dormindo no momento do roubo, e sequer sabe dirigir.

“Essa manifestação é para demonstrar que isso não pode acontecer, porque eu vi que acontece com bastante gente, tem muitas pessoas que passam por isso”, disse Wanderson, que responde ao processo em liberdade depois de ter passado dois dias detido no 26º DP (Sacomã). “Então essa manifestação vai ajudar as pessoas a saírem mais unidas, para não deixar que isso aconteça e para mostrar que eu sou inocente.”

O ato, que durou cerca de duas horas e meia, percorreu as principais ruas e vielas da comunidade. Três viaturas da Polícia Militar estiveram na concentração, mas não acompanharam os manifestantes quando o protesto entrou dentro da favela. Alguns moradores repetiam das janelas o grito de justiça e outros se juntaram ao movimento à medida que o ato adentrava as ruas do Heliópolis.

Marisa Fefferman, articuladora da Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio, entidade que está dando apoio a Wanderson e sua família, destacou o papel da comunidade no caso do rapaz que está respondendo na justiça por um crime que afirma que não cometeu. “O que a gente vê aqui é o envolvimento da comunidade com esse caso. É isso que a gente entende como segurança pública comunitária, onde as pessoas do território podem se apoiar mutuamente, sabendo que o problema de um é uma questão para todos.”

O advogado Roberto Rocha é morador de Heliópolis e gestor da Escola Campos Salles, referência de educação em todo Brasil pela maneira democrática pela qual é gerida pela comunidade, conhece Wanderson desde os tempos que o rapaz era estudante da unidade de ensino.

Longe de ser caso único

Durante a manifestação, ele lembrou que outros garotos já foram vítimas de abusos policiais também e por isso o assunto era de interesse de toda a comunidade: “Quem será o próximo menino negro escolhido pela polícia para responder pelos crimes que eles entendem que a gente está praticando?”, se pergunta. “Então essa manifestação aqui, ela é muito importante e simbólica. E convidamos todos a participar com a gente, porque não é o caso do Wanderson somente. São vários meninos, várias meninas da nossa comunidade que estão sendo julgados por crimes que eles não cometeram”.

Coordenador da Campos Sallesa, Robson Silva, lembrou que Wanderson sempre foi um aluno muito atuante nas atividades propostas pela escola e que é um exemplo para os estudantes que estão atualmente estudando no local: “Não faz o mínimo sentido as acusações que estão fazendo”, diz. “Todos, seja da escola, da igreja, sabe quem é o Wanderson. Nós não queremos que ele seja inocentado, queremos que o processo seja extinto, porque em nenhum momento o Wanderson teve qualquer relação com esse crime.”

A única prova apresentada no processo que acusa Wanderson é o depoimento que os policiais deram na delegacia no dia de sua prisão. De acordo com o boletim de ocorrência assinado pelo delegado Joalbo Alencar Dores, os PMs Romulo Arcanjo de Souza e Iracitan Moreira Coimbra Neto contaram que faziam patrulhamento na região e passaram a perseguir um veículo Hyundai/ HB20, que transitava em “atitude suspeita” com quatro pessoas a bordo na Rua Social, na região do Sacomã.

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“Houve esse roubo e dois homens que participaram do assalto correram pela rua onde moro e os policiais não conseguiram pegar eles” relembra Djalma Félix, pai de Wanderson. “Mas viram a luz do quarto do meu filho acesa, porque minha mãe de 90 anos mora conosco e precisa de iluminação para ir ao banheiro de madrugada. Nisso eles entraram com tudo e foram direto no quarto do Wanderson, que fica na parte de baixo da casa. Foi um susto muito grande para todo mundo. Eles bateram na minha esposa e arrastaram meu filho para fora,”

O que diz a SSP

Desde março, quando A Ponte publicou a primeira matéria sobre o caso de Wanderson Félix e procurou a Secretaria de Segurança Pública (SSP) para questionar sobre os relatos de abordagem truculenta e as provas utilizadas pelo delegado Joalbo Alencar Dores para decretar a prisão em flagrante de Wanderson que a posta nunca retornou o pedido feito pela reportagem.

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