Condepe denuncia superlotação, proliferação de doenças e corte de luz no CDP 1 de Pinheiros

    Rebelião ocorrida em 24/07 expõe fragilidade do sistema prisional, que deixou presos incomunicáveis por mais de dez dias

    Imagens inéditas da rebelião no CDP 1 de Pinheiros captadas por drone | Foto: Gustavo Basso/Flickr/Creative Commons

    “Boa parte dos banheiros estão com entupimentos nos ralos e nas privadas. É uma situação deplorável. Tem muito lixo, não há coleta de sacos de lixos, imagino que desde o episódio [rebelião], está tudo acumulado, os presos reclamam de ratos que perambulam pelo pátio e o CDP 1 está com energia cortada”, é assim que Ariel de Castro Alves, advogado e conselheiro do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), descreve a situação no interior do CDP (Centro de Detenção Provisória) 1 de Pinheiros, zona oeste de São Paulo, onde há duas semanas, em 24/07, aconteceu uma rebelião.

    Alves, como representante do Condepe, familiares e até a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, em duas oportunidades, foram impedidos de entrar e ter acesso aos presos desde a rebelião. Na sexta-feira (4/08), Alves conseguiu entrar no CDP 1 de Pinheiros pouco depois das 10h e saiu às 16h.

    As celas estão superlotadas: onde deveriam estar 15 presos, há mais de 40. Os colchões são insuficientes, há um colchão para cada 3 ou 4 presos e as pessoas têm que se revezar para dormir. “Os colchões estão úmidos, muitos estão sem roupas suficientes e, até quinta-feira, eles não tinham produtos básicos de higiene pessoal”, afirma Alves.

    Atualmente, no CDP de Pinheiros, mais de 20% dos presos estão condenados e aguardam transferência para penitenciárias. “Ou seja, não deveriam ser mantidos numa unidade que é para detenção provisória”, alerta o conselheiro do Condepe.

    Todo esse cenário agrava ainda mais a proliferação de doenças. No CDP 1 de Pinheiros, 30% dos detentos estão com sarna, que passa por contato, ou seja, ao compartilhar um colchão ou roupas. Há também falhas de atendimento aos doentes crônicos, segundo o conselheiro. “Diabéticos, presos com pressão alta e soropositivos não estão recebendo medicação. Há casos de presos que precisam de cirurgia de coluna, de hérnia e também não há previsão de atendimento. Há vários presos com pneumonia, gripe, tuberculose, que também precisariam de atendimento e não estão tendo”, afirma Alves.

    De acordo com o conselheiro do Condepe, a energia está cortada, portanto, banho apenas gelado. Mas não é só isso: a unidade estabeleceu um rodízio de fornecimento de água, que é liberada por 30 minutos em cada um dos três períodos do dia.

    Alves contou que passou nas celas e anotou algumas demandas dos detentos. Muitos deles reclamam da burocracia exigida para que parentes entrem no rol de visitas, a maior parte afirmou que a comida é de péssima qualidade e pelo menos 20 deles mostraram ferimentos de bala de borracha provocados pelo GIR (Grupo de Intervenções Rápidas), da SAP (Secretaria da Administração Penitenciária) no dia da rebelião. As visitas estão suspensas por tempo indeterminado e a previsão é que os jumbos (sacolas com mantimentos) poderão voltar a ser entregues pelos parentes dos internos apenas na próxima semana.

    A situação de instabilidade do CDP 1, relatada pelo conselheiro do Condepe, aumentou a já longa espera da família de Felipe Passos Flores, que ficou preso irregularmente por causa da suspeita do roubo de um carro. De posse do alvará de soltura, as três irmãs dele estavam desde as primeiras horas da quinta-feira (3/08) na frente do CDP 1 de Pinheiros aguardando a saída do irmão, que só aconteceu às 19h da sexta-feira (4/08).

    Foto: Maria Teresa Cruz/Ponte Jornalismo

    “Na data do assalto, ele estava em São José do Rio Preto [interior de SP] com meu pai trabalhando, eles fazem carreto. O dono do carro falou que foi ele, mas quando chegou na audiência, o advogado alegou que no boletim de ocorrência a vítima tinha falado que os bandidos estavam encapuzados e como então reconheceu meu irmão? O dono do carro ficou na dúvida e o juiz inocentou. Ele está há dois meses preso e a minha mãe nem se alimentava até chegar a audiência. Agora essa espera de novo. Meu pai está muito angustiado, muito nervoso com tudo”, relata Aline Flores Rodrigues, uma das irmãs de Felipe.

    Os vizinhos

    Nos outros CDPs do Complexo Prisional de Pinheiros, onde existem outros três CDP´s, a rotina segue normal, dentro do possível. Na sexta-feira, a reportagem da Ponte Jornalismo encontrou mulheres de presos armando as barracas na lateral do complexo para pegarem os primeiros lugares no sábado (5/08), dia de visita, liberado nos CDPs 2, 3 e 4.

    Sem se identificar, elas confirmaram algumas informações sobre as condições precárias do Complexo Prisional de Pinheiros. “A comida é ruim, sim. Feijão azedo, comida com bicho, essas coisas rolam muito”. Elas se viram como podem para conseguir os primeiros lugares da fila. “Eu venho de Guarulhos [Grande São Paulo], minha colega aqui da Praia Grande [Litoral de São Paulo], a gente aluga essas barracas aqui por R$ 20, R$ 25 e vem na sexta-feira mesmo, por volta das 15h. A rotina nossa é sair da visita já pensando na semana seguinte”, conta uma outra mulher.

    “Tem gente que pensa ‘ah, mulher de preso não vale nada que nem ele’. Mas não é bem assim, não. Todo mundo tem uma vida aqui, tem família, profissão. Nossos maridos erraram? Erraram. E estão pagando por isso, mas as condições deveriam ser melhores. Porque o que acontece é que o sujeito sai pior do que entrou”, desabafa uma delas, cujo marido está preso há 3 anos por roubo qualificado.

    “Já deveria estar no semi-aberto, mas está aguardando vaga”, afirma. “Uma defende a outra, mas estamos muito expostas ficando aqui. O vestiário é horrível. Muitas vezes, preferimos atravessar a marginal e fazer as necessidades no mato mesmo”, denuncia uma delas, cujo marido está detido por porte de armas de uso restrito das forças armadas. A reportagem visitou o vestiário e constatou exatamente o que elas relataram: chão sujo, privada entupida e fezes no chão, como mostra a foto abaixo, além da falta de energia.

    Local para parentes de presos tomarem banho tem fezes no chão | Foto: Maria Teresa Cruz/Ponte Jornalismo

    Outro lado

    A Ponte Jornalismo procurou a SAP (Secretaria da Administração Penitenciária), da gestão de Geraldo Alckmin (PSDB), que negou qualquer irregularidade e alegou que as visitas estão suspensas, porque o local de recepção de familiares está em reforma e que nada tem a ver com a rebelião de 24/07. A pasta também Informou que os familiares que tiverem alguma queixa, podem formalizá-la na Ouvidoria da SAP.

    Confira a nota oficial da SAP:

    A Secretaria da Administração Penitenciária esclarece que em nenhum momento a diretoria se nega a dialogar com os presos. A unidade também não cerceou ou impediu o contato de advogados com os presos do Centro de Detenção Provisória 1 de Pinheiros, sendo que os que compareceram ao local puderam fazer o atendimento.

    Atualmente, a unidade está passado por uma reforma, para a melhoria dos mecanismos de segurança, o que compromete a realização de visitas e recebimento de “jumbos”. Contudo, observamos que assim que finalizada a obra a rotina de visitação será retomada normalmente. Esclarecemos ainda que todas as informações pertinentes estão sendo repassadas aos advogados.

    A denúncia de alimentação ruim não procede, pois em momento algum houve qualquer tipo de reclamação dos presos nesse sentido. A alimentação servida aos funcionários e presidiários é elaborada e entregue por empresa terceirizada e mantém os níveis de qualidade e quantidade estabelecidos pela pasta.

    Destacamos que todas as refeições, tanto as servidas para presos como as consumidas pelo corpo funcional, em todas as unidades prisionais do Estado, são devidamente supervisionadas por nutricionistas. A alimentação é balanceada e produzida dentro das normas de saneamento. O cardápio também é previamente estabelecido, com cereais (arroz, trigo, fubá, etc), carne bovina, carne de frango, macarrão, feijão, frutas, legumes e verdura, etc. e respeita a legislação vigente.

    Não procede também a denúncia de que os presos estão passando necessidade. Eles já receberam colchões e kits de higiene pessoal.

    Ressalvamos também que no Centro de Detenção Provisória 1 de Pinheiros já há scanners corporais disponíveis, sendo portanto que a denúncia sobre revista não procede. Com estes aparelhos, é possível realizar as revistas em visitantes a partir das imagens geradas pelo equipamento, identificando possíveis ilícitos como drogas e celulares de maneira rápida e eficiente.

    A pasta informa ainda que o Centro de Detenção Provisória 1 de Pinheiros atendeu a Comissão de Familiares no dia 24/07/2017,  prestou os devidos esclarecimentos acerca dos detentos e das condições da unidade prisional, informando ainda que não ocorreram óbitos ou feridos gravemente.

    No dia 25/07/2017, foram prestadas informações ao Condepe (Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana) que, por sua vez, repassou aos familiares. No dia 26/07/2017 foram prestadas informações à Defensoria Pública e, no dia 31/07/2017, a um grupo de familiares e também ao Vereador Eduardo Matarazzo Suplicy.

     

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