Conquista argentina impulsiona discussão sobre aborto no Brasil

    Atos pela legalização estão previstos para esta sexta-feira em pelo menos seis capitais; para Rede Feminista de Juristas o aborto já é legal, basta o país regulamentar os tratados internacionais que assinou

    Ilustração: lluvia

    A aprovação da legalização do aborto pela Câmara dos Deputados da Argentina, na última quinta-feira (14/6) – o texto ainda precisa passar pelo Senado -, e a votação também favorável ao referendo na Irlanda, no final de maio, inspiraram grupos de mulheres brasileiras retomarem com prioridade a pauta no país. Com atos agendados para esta sexta-feira (22/6) em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte, Vitória, Maceió, Londrina, Santa Maria e Niterói, o movimento de mulheres brasileiras pretende se unir ao cenário internacional de luta. Para a Rede Feminista de Juristas, no Brasil, não é necessária votação de projeto de lei no Congresso, já que o aborto já é permitido pelos tratados internacionais ratificados pelo país.

    Ao vivo pelo Twitter, Jéssica Ipólito virou a madrugada acompanhando a votação no Congresso argentino. Criadora do blog Gorda & Sapatão e militante da Articulação de Negras Jovens Feministas e da Rede de Ciberativistas Negras em Defesa dos Direitos Humanos das Mulheres Negras, percebeu o impacto de uma vitória tão importante no país vizinho.

    Jéssica milita na Articulação de Negras Jovens Feministas | Foto: Helena Wolferson

    “Eu sinto que houve uma reenergização. Se elas conseguiram, porque que a gente não consegue?”, a pergunta de Jéssica traz um sentimento de esperança. Ela afirma que muito além da aprovação na Câmara, todo o processo de construção coletiva das argentinas tem inspirando o movimento nacional.

    “Quando nossas companheiras latinas avançam, a gente avança junto. As estruturas se movem em conjunto”, comemora também Andreza Delgado Silva, estudante universitária à frente da organização coletiva do ato em São Paulo. “É uma discussão que já existe há muito tempo, mas é importante aproveitar esses cenários internacionais para conseguir avanços aqui no país”, completa Aline Oliveira, que também participa da construção do ato.

    A intenção das manifestações que vãos pintar o país de verde é retomar a prioridade e a unidade em torno da da pauta da legalização do aborto legal, seguro e gratuito. Ocupar as ruas parar inserir a discussão na pauta nacional, assim como fizeram as vizinhas argentinas nos últimos cinco anos.

    Preparativos para protesto em São Paulo | Foto: Aline Oliveira

    O verde, cor escolhida para representar a luta apartidária das ‘hermanas’ de lá, foi importado pelas ‘manas’ daqui. “Resolvemos manter a cor verde para personalizar a luta e assumir essa identidade compartilhada com elas”, explica Aline Oliveira.

    O primeiro ato convocado a partir da vitória argentina foi no Rio de Janeiro e a expectativa é que seja o maior: o evento no Facebook já conta com mais de 20 mil pessoas interessadas. Para divulgar todas as manifestações pelo Brasil foi criada a Campanha Nacional pela Legalização do Aborto.

    Logo da campanha no Rio de Janeiro | Foto: divulgação

    “Se a gente não se mobilizar igual as companheiras na Argentina, a gente nunca vai conseguir”, convoca Andreza Silva. Ela ressalta que os entraves para avançar na discussão não são momentâneos, nem partidário. “Durante o governo do PT, nós não conseguimos avançar o assunto nem no legislativo, nem no judiciário”.

    Na teoria, aborto já é permitido no país

    “Eu acho que o movimento feminista no Brasil é um arraso!”, elogiou a advogada e membra da Rede Feminista de Juristas, Ana Lúcia Keunecke. “Mas eu acho, que todos esses movimentos deveriam estar juntos na pauta pelo cumprimento dos tratados internacionais que já permitem o aborto”.

    Segundo a advogada, que há anos luta pelos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, não precisamos passar pelo longo e incerto processo de inserir a pauta no Congresso Nacional, conseguir os votos necessários, encaminhar para o Senado e assim por diante. Os tratados internacionais que o Brasil assinou, que tem força de emenda constitucional, já garantem o aborto legal no país. “Eu acho hipócrita dizer que o aborto é proibido”, condena. O Brasil precisa regulamentar os tratados que ele assina.

    Panfleto da passeata em São Paulo | Foto: divulgação

    “Essa questão já está legislada”, classifica a advogada. A argumentação é a mesma usada pelo ex-Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, para legalizar o aborto em caso de anencefalia; e pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal, Barroso, quando julgou o Habeas Corpus que absolveu um grupo de profissionais de saúde criminalizado pela realização de um aborto no Rio de Janeiro. Cabe lembrar, portanto, que o aborto tem previsão legal no Brasil em 3 casos: estupro, quando há risco para a mãe e quando o feto tem má formação do cérebro.

    “Eles reconhecem que a legislação internacional já diz que a mulher tem autonomia sobre o próprio corpo, então isso não deveria nem ser discutido”. Mesmo assim, tramitam hoje na Câmara dos Deputados mais de 40 projetos de lei, que, segundo a advogada, “de alguma forma impede a mulher da interrupção da gestação ou da sua escolha”. Mas se os tratados internacionais têm força de emenda constitucional, “um projeto de lei que fira isso, esta ferindo a constituição” e não poderia nem tramitar.

    Faixa da linha de frente do protesto de São Paulo | Foto: Aline Oliveira

    Como caminho, Ana Lúcia sugere que as brasileiras pressionem organizações internacionais, como a ONU (Organização das Nações Unidas), a OEA (Organização dos Estados Americanos), o Tribunal de Haia e o Parlamento Europeu. O Brasil não costuma descumprir condenações dessas instituições, pois as consequências são sérias e envolvem sanções econômicas. No entanto, a advogada lamenta ainda não ter sido marcada uma audiência pública da OEA sobre o aborto no Brasil; apesar de solicitada mais de uma vez.

    Em escala individual, o Brasil foi condenado pela OEA em abril de 2014 pela morte da jovem Aline Pimentel em decorrência da ausência de assistência médica durante o abortamento; uma violência obstétrica. “O Código Penal de 1944 não impede o aborto, só faz com que o estado seja responsável pelos abortamentos inseguros, porque não cumpre os tratados internacionais que assinou”, finaliza.

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