No Dia Internacional da Mulher, movimentos e entidades percorreram o centro da capital paulista: “somos mulheres e não mercadoria!”
Antes das 17h desta terça-feira (8/3), na frente do Museu de Arte de São Paulo (Masp), na Avenida Paulista, centro da capital, a batucada já ressoava: “somos mulheres e não mercadoria!”. Organizado pela Articulação Nacional de Mulheres Bolsonaro Nunca Mais, da qual integram 51 entidades, a marcha do Dia Internacional da Mulher teve como lema central “Pela vida das mulheres, Bolsonaro nunca mais! Por um Brasil sem machismo, sem racismo e sem Fome!”. A caminhada seguiu pela avenida, desceu a Rua Augusta e terminou na Praça Roosevelt, também no centro da cidade, às 19h30.
O manifesto das organizações, que desde 2018 já se posicionavam contra a candidatura de Bolsonaro com a campanha “Ele Não”, destacou o recrudescimento de políticas públicas voltadas para as mulheres por meio da ministra Damares Alves, que comanda a pasta da Família, Mulher e Direitos Humanos e destinou para 2022 o menor valor desde o início da gestão para ações voltadas a esse público: R$ 43,28 milhões. “Ela e seu Ministério trabalham para desmontar as políticas públicas para as mulheres, não aplicam o ínfimo orçamento destinado ao combate à violência, perseguem vítimas de violência sexual que buscam interromper uma gestação, propagam discursos machistas e transfóbicos de revitimização de meninas e mulheres”, diz trecho do documento.
Além disso, com a pandemia e o desemprego, a autônoma Cícera Silva, 57, que integra o Movimento dos Atingidos por Barragens, conta que com a ausência do poder público, as mulheres em situação de vulnerabilidade na periferia ficam sem condições de criar seus filhos.
Ela, que é mãe de sete filhos e faz “bicos” de faxineira, ainda teve de lidar com as enchentes na região do Jardim Lapenna, na zona leste da cidade. “Pensam que pobre não é gente, que tem ficar jogado dentro da água e morrer afogado. Quando chove, minha sobrinha tem que colocar o filho nas costas e sair nadando para não morrer afogado onde eu moro. Por isso eu vim aqui lutar pelos nossos direitos, porque eu não sei quando eu vou conseguir me aposentar, Bolsonaro está tirando todos os nossos direitos, ele quer que a gente se aposente quando estiver morrendo”. Ela se refere à Reforma da Previdência em 2019 que aumentou o tempo de contribuição mínima para aposentadoria de 15 para 20 anos e a idade mínima de 60 para 62 anos no caso das mulheres.
Reunindo manifestantes com diversos perfis, o protesto contava com cartazes pedindo a punição de agressores de mulheres, a descriminalização ao aborto, o direito à moradia, a demarcação de terras indígenas, entre outras causas. Além de homenagens a personalidades negras como de Tereza de Benguela, das escritoras Conceição Evaristo, Carolina Maria de Jesus, Leila González e da vereadora Marielle Franco, cujo assassinato completa quatro anos em 14 de março ainda sem solução.
Também havia intervenções como uma lata de lixo onde, além do rosto do presidente Jair Bolsonaro (PL), figurava a efígie do deputado estadual Arthur do Val (Podemos-SP), conhecido como Mamãe Falei, que teve declarações sexistas vazadas durante uma viagem à fronteira da Ucrânia em guerra, onde insinuava que estaria no local para fazer turismo sexual. A figura do parlamentar também foi colocada em um boneco com uma corda no pescoço com uma frase “pega fogo fácil porque são machistas” – e que foi queimado quando o percurso cruzava a Rua Augusta. Há ao menos 12 pedidos de cassação do mandato dele que serão analisados pelo Conselho de Ética da Assembleia Legislativa de São Paulo.
De acordo com levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgado na segunda-feira (7/3), entre março de 2020, quando a Covid-19 chegou ao Brasil, e dezembro de 2021, último mês que os dados foram contabilizados, foram registrados 2.451 feminicídios e 100.398 casos de estupro e estupro de vulneráveis.
A aposentada Marli dos Santos, 59, cadeirante, destaca que as mulheres com deficiência sofrem uma dupla opressão. “Se você ver, quantas outras não conseguem estar aqui presentes por falta de acessibilidade? Na pandemia sofremos muito pelo desemprego e pela violência doméstica”.
Já a cozinheira Amora Hellena, 38, pontuou a dificuldade que mulheres trans e travestis têm de serem reconhecidas como pessoas. Ela é formada em Administração e trabalha na área gastronômica, o que é uma exceção em meio à população trans. “Muitas recorrem à prostituição por falta de oportunidade. Estar aqui é uma forma de lutar também por reconhecimento”.
De pés descalços e bastante emotiva, a artista sul-africana Nduduzo Siba relembrou o período em que esteve presa na Penitenciária Feminina de Santana e ressaltou como o sistema carcerário é usado para exterminar vidas negras, sobretudo de mulheres. “Nessa terra, onde meus ancestrais derramaram sangue lutando para construir tudo isso que a gente está vendo hoje, a luta não nasceu do nada, a luta nasceu do sangue e das lágrimas do meu povo que ainda hoje, a maioria do meu povo, está morrendo dentro do cárcere”, prosseguiu. “Eu estou livre, mas o Estado brasileiro me persegue pela cor da minha pele”.
“Fiquei quatro anos dentro do cárcere, no lugar em que eu pensei que a minha vida tinha acabado nasceu uma artista, nasceu uma ativista, nasceu uma mulher que luta contra as injustiças que a gente anda vendo hoje em dia. Mas, ainda sim, nessa luta, saindo de um sistema que não tem reforma, um sistema que não se importa com mais de 700 mil presos atualmente, não se importa com as famílias e comunidades dessas pessoas. Eu decidi, no dia 8 de março de 2018, que eu não vou ser mais uma estatística”, declarou.