Danilo Orlando Pugliesi é um dos dois integrantes designados para fiscalizar a atividade policial na capital paulista; segundo ele, atuação vai ser construída por meio do diálogo com sociedade civil e forças de segurança pública
Mapear regiões com os maiores índices de letalidade policial na cidade de São Paulo, identificar causas e promover soluções estão entre as responsabilidades do Grupo de Atuação Especial da Segurança Pública e Controle Externo da Atividade Policial (Gaesp) do Ministério Público estadual (MPSP). O grupo foi formalmente criado em agosto de 2022, após quase cinco anos de pressão de movimentos sociais, negros e periféricos, e ainda está em fase de implementação na capital paulista.
Dois promotores do grupo já foram designados pela Procuradoria-Geral de Justiça em dezembro de 2022: Danilo Orlando Pugliesi e Francine Pereira Sanches. Os dois, que estão no MPSP desde 2015, foram os únicos que se inscreveram para integrar o Gaesp e acabaram selecionados, já que a previsão era de até duas vagas no grupo. À Ponte, Pugliesi disse que a expectativa é de que a partir de maio a dupla passe a atuar exclusivamente no Gaesp, já que os dois estão aguardando a nomeação de substitutos nas promotorias em que trabalham. Por isso, ele solicitou que as perguntas fossem respondidas por e-mail devido ao acúmulo de funções.
O promotor reconhece que o controle externo da atividade policial feita pelo MPSP “precisa ser aprimorado” e que as cobranças são legítimas. “É necessário ouvir críticas e aprender com elas”, afirmou.
Pugliesi também informou que um plano de trabalho está sendo elaborado e que a atuação do grupo vai se dar pelo diálogo com diversos setores, incluindo movimentos sociais, como a Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio e o Movimento Independente Mães de Maio, responsáveis pela pressão social que levou à reformulação do Gaesp, e com as forças de segurança pública. “Importante ressaltar que essa discussão terá um viés estruturante, abordando o fenômeno [letalidade policial] não apenas na dimensão individual, mas sim levando em conta o conjunto de práticas que podem mitigar os casos de violência”, disse.
Leia a entrevista:
Ponte — No ano passado, Anistia Internacional no Brasil e outras 19 organizações lançaram a campanha O Ministério tem que ser Público para denunciar a falta de atuação do órgão no combate à violência policial no Brasil e cobrar por um controle externo mais efetivo. Como os senhores avaliam o trabalho de controle externo da atividade policial do MPSP?
Danilo Orlando Pugliesi — O controle externo da atividade policial precisa ser aprimorado. Trata-se de missão constitucional que foi confiada ao Ministério Público e demanda legítima por parte da sociedade civil. A criação do Gaesp e a decisão de conjugar atribuições típicas das esferas criminal e da tutela dos direitos difusos e coletivos, ao lado da previsão de diálogo frequente com a academia e com os atores da sociedade civil que tratam os temas da segurança pública e da violência policial, são medidas na direção do necessário aprimoramento e demonstração de que esse tema constitui um dos focos da política criminal do MPSP.
Ponte — O Gaesp pretende incorporar os requisitos mínimos reconhecidos internacionalmente que a Anistia reivindica?
Danilo Orlando Pugliesi — O Gaesp concorda com a necessidade de polícias que respeitem os direitos humanos e pretende, na atuação voltada a tal objeto, promover a interlocução não apenas com as forças policiais, mas sobretudo com a sociedade civil, para que o controle externo seja efetivo. Importante ressaltar que essa discussão terá um viés estruturante, abordando o fenômeno não apenas na dimensão individual, mas sim levando em conta o conjunto de práticas que podem mitigar os casos de violência.
Ponte — Movimentos sociais, como as Mães de Maio, costumam dizer que “a polícia mata e o Ministério Público” enterra. Os senhores concordam com essa afirmação? Por quê?
Danilo Orlando Pugliesi — Não concordamos com a frase, porque desconsidera a atuação de milhares de promotores tanto na seara criminal, buscando a responsabilização de agentes que praticaram crimes, quanto na seara dos direitos humanos, buscando mudanças na política de segurança pública. Contudo, compreendemos a crítica que está por trás da frase. É por entender que mudanças na atuação são necessárias que o Gaesp foi criado. É necessário ouvir críticas e aprender com elas.
Ponte — No âmbito dos Crimes de Maio de 2006, inclusive, 79 promotores assinaram um ofício em que reconheciam “a eficiência da resposta da Polícia Militar, que se mostrou preocupada em restabelecer a ordem pública violada” sem qualquer apuração prévia. Apenas dois se arrependeram. Além disso, a promotora Ana Maria Frigério Molinari caluniou as ativistas durante uma sessão de julgamento de um PM dizendo que as Mães de Maio eram financiadas pelo tráfico. Como os promotores avaliam essas ações?
Danilo Orlando Pugliesi — O Gaesp não tem atribuições correcionais [de responsabilização de membros como faz a Corregedoria].
Ponte — Como os movimentos sociais podem confiar na atuação do Gaesp tendo em vista episódios como esses?
Danilo Orlando Pugliesi — A confiança será construída através do diálogo com a sociedade civil.
Ponte — O processo de reformulação do Gaesp também foi difícil e dependeu de mobilização expressiva de movimentos sociais. Como vai ser a relação dos promotores com esses movimentos?
Danilo Orlando Pugliesi — Será uma relação horizontal. O Ministério Público não é sabedor de todas as nuances da realidade e não tem a resposta pronta para todos os problemas. Questões complexas demandam aprendizado, diálogo de diferentes atores, articulação e indução de política pública. É o que buscaremos.
Ponte — Pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública também identificou que o MPSP pediu arquivamento em 90% dos casos de mortes decorrentes de intervenção policial na cidade de São Paulo em 2016. Ao que os senhores atribuem esse dado?
Danilo Orlando Pugliesi — Precisamos estratificar esses dados, monitorar as mortes decorrentes de intervenção policial e entender as razões que levam ao arquivamento. Elas podem ir desde a configuração de causa excludente de ilicitude até falhas na investigação ou da valoração da prova. O universo das MDIP [mortes decorrentes de intervenção policial] inclui diferentes fenômenos e a busca da redução de tais índices passa por diferentes ações, dentre as quais a identificação das razões dos arquivamentos.
Ponte — Existe algum protocolo ou diretriz para o MPSP em relação aos casos em que os policiais militares mataram uma pessoa em serviço e utilizavam câmeras nas fardas?
Danilo Orlando Pugliesi — Todos os membros do Ministério Público podem requisitar as filmagens dos policiais que usavam câmeras nas fardas. E isso tem ocorrido, não só nos casos de morte por intervenção policial.
Ponte — É uma obrigação o MPSP pedir as imagens das câmeras das fardas usadas por policiais militares? Revelamos um caso em que PMs mataram um homem suspeito de roubo e taparam as câmeras nas fardas durante a ação no Guarujá. A Promotoria não pediu as imagens de início e solicitou o arquivamento das investigações do homicídio sem qualquer apuração. O MPSP só teve conhecimento das imagens porque a Justiça Militar determinou que o inquérito fosse remetido à Justiça Comum e, daí, fizeram a denúncia contra os policiais e pediram as prisões.
Danilo Orlando Pugliesi — É obrigação do MPSP, durante a fase investigativa, requisitar diligências necessárias à formação do seu convencimento sobre o delito em apuração, desde que viáveis e pertinentes naquele momento.
Ponte — O atual secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, já fez declarações reveladas pela Ponte, enquanto policial na ativa, de incentivo à letalidade, de que policial bom é aquele que tem três mortes no currículo. Os senhores concordam?
Danilo Orlando Pugliesi — Para o MPSP, as declarações do secretário não estão em causa. O importante é atuarmos por uma segurança pública cada vez mais cidadã, o que evidentemente inclui a redução da letalidade policial.
Ponte — Como enxergam o perfil do secretário tendo em vista que, enquanto deputado, também chamou de bandido um homem trabalhador que morreu após ser atingido por um tiro disparado por um PM ao sair do mercado e acabou condenado em 1ª instância no TJSP a indenizar os familiares?
Danilo Orlando Pugliesi — Essa análise não cabe ao Gaesp.
Ponte — Existe alguma colaboração da gestão atual do governo do estado na atuação do Gaesp em relação à violência policial? Recentemente, fizeram tratativas a respeito do MPSP e o Poder Executivo no combate à criminalidade.
Danilo Orlando Pugliesi — O governo do Estado vem prestando as informações necessárias acerca das MDIPs e outras medidas voltadas à redução da letalidade policial, como a implementação das câmeras corporais. Estamos também aprimorando o acesso ao banco de dados.
Ponte — Em dezembro de 2021, o então governador João Doria reativou a Comissão Especial para Redução da Letalidade Policial. O Gaesp tem alguma participação?
Danilo Orlando Pugliesi — Sim, o Gaesp tem assento na comissão, representando o MPSP.
Ponte — Como vai se dar a atuação do Gaesp assim que tiver conhecimento de um caso de violência policial ou quando um policial matar uma pessoa, seja em serviço ou na folga?
Danilo Orlando Pugliesi — Tratando-se de um grupo recém-criado e ainda em fase de implementação, os fluxos de comunicação e atuação ainda estão em discussão, que deve se dar também com a participação da sociedade civil. Contudo, já há na regulamentação vigente o dever do grupo de mapear as regiões com maior letalidade, identificar as causas e agir, valendo-se dos instrumentos típicos da tutela coletiva, visando à redução de tais índices e adoção de medidas de prevenção, sem prejuízo da atuação criminal em casos estratégicos, em conjunto com o promotor de Justiça natural.
Ponte — E quando um policial for assassinado?
Danilo Orlando Pugliesi — Da mesma forma, também é dever do Gaesp identificar as causas estruturais de mortes de agentes de segurança pública, adotando medidas de prevenção ou induzindo políticas que visem à redução dos índices de mortes de policiais.
Ponte — O Gaesp tem prioridades, metas ou planos de trabalho para este e para os próximos anos? Quais são?
Danilo Orlando Pugliesi — O Gaesp está elaborando seu plano de atuação, que deverá ser apresentado à Procuradoria-Geral de Justiça e à Corregedoria-Geral do Ministério Público na forma da Resolução 1.516/2022-PGJ.
Ponte — Como se dará a atuação dos dois promotores? Existe alguma divisão de tarefas?
Danilo Orlando Pugliesi — Atuaremos de maneira integrada, sem divisão apriorística de tarefas. Apenas há a distribuição normal de casos, a partir do protocolo da notícia de fato, para organização basal dos trabalhos.
Ponte — Os integrantes podem ser trocados?
Danilo Orlando Pugliesi — Sim, tal como em outros grupos de atuação especial. O processo de designação pela Procuradoria-Geral de Justiça dos promotores que atuarão no grupo está regulamentado no artigo 10 da Resolução 1516/2022-PGJ.
Ponte — Tendo também em vista que os dois foram os únicos que se inscreveram, isso significa que os membros do MPSP não têm interesse em atuar no controle externo da atividade policial?
Danilo Orlando Pugliesi — Não. O MPSP tem uma gama de atribuições e todas são importantes à sociedade.
Ponte — Nas eleições de 2022, o cenário de tensão política e de politização das polícias estava em discussão. Os senhores acreditam que essa tensão continua?
Danilo Orlando Pugliesi — A politização das polícias é algo que deve sempre demandar a atenção do Ministério Público, porque implica risco de atuação ilícita, em desconformidade ao Estado Democrático de Direito. Contudo, em São Paulo, é importante dizer que não tivemos cenários de omissão como observamos em outros entes da Federação.
Ponte — Como o Gaesp vai atuar em relação à politização das polícias?
Danilo Orlando Pugliesi — Apuraremos eventuais notícias de politização de policiais da ativa que impliquem risco à execução escorreita de seus deveres funcionais, adotando as medidas necessárias, extrajudiciais ou judiciais, para que a atuação policial se dê no âmbito da legalidade, sem preferências ideológicas.
Ponte — Em reportagem da Ponte no ano passado, mostramos que a PM criou uma diretriz que regula o uso de redes sociais, mas não tem previsão de punição explícita e os perfis de policiais continuam descumprindo as regras. O Gaesp vai ter algum papel nessa questão?
Danilo Orlando Pugliesi — A articulação com as polícias e a indução de medidas regulatórias que possam melhorar a atuação policial está no âmbito das atribuições do Gaesp.
Ponte — Na resolução de criação do Gaesp, é prevista a intervenção dos promotores sobre as guardas municipais, mas no que tange à colaboração, articulação e instigação do poder público à elaboração das políticas públicas. Como os promotores vão fazer isso?
Danilo Orlando Pugliesi — A atuação do GAESP em relação às guardas municipais, conforme expressamente previsto na Resolução 1516/2022-PGJ, dar-se-á pela fiscalização do disposto no artigo 144, §8°, da Constituição Federal, atuando em deturpações que levem a uma atuação policial pelas guardas.
Ponte — Como os senhores vêem a atuação das guardas fazendo atividades de polícia, como abordagens, o que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já proibiu, e criação de tropas de elite treinadas pela PM?
Danilo Orlando Pugliesi — As guardas têm perfil traçado constitucionalmente. A atuação similar a de polícia dever ser verificado a luz do caso concreto.
Ponte — Como a sociedade pode acompanhar, solicitar e monitorar o trabalho realizado pelo Gaesp?
Danilo Orlando Pugliesi — O site do MPSP tem um canal online de envio de notícias de fato, bem como demandas poderão ser encaminhadas ao email [email protected]. Aqueles procedimentos que não forem acobertados pelo sigilo poderão ser acessados pelo público e demais informações poderão ser solicitadas pelo e-mail mencionado acima ou acessadas através da nossa página, sem prejuízo de atendimento presencial para ambos os casos.