Cordão da Mentira denuncia crimes da ditadura e assassinatos recentes do Estado brasileiro em SP

Ato carnavalesco de 1º de abril foi criado há 10 anos para jogar luz sobre as mentiras da violência do Estado. “Seremos a voz das mães que choram caladas seus filhos mortos”, diz mãe de uma das vítimas do Massacre de Paraisópolis

Ato lembrou a luta de mães por justiça e o Massacre do Carandiru | Foto: Daniel Arroyo / Ponte Jornalismo

O Cordão da Mentira, ato carnavalesco criado para manter viva a memória de repúdio à ditadura militar instalada no Brasil em 1964, chegou à sua 10ª edição nesta sexta-feira (1/4), aniversário de 58 anos do golpe. Com a concentração começando às 17h em frente ao Teatro Municipal, na região central da cidade de São Paulo, o cortejo caminhou, debaixo de forte chuva e sob as baixas temperaturas da primeira frente fria séria do ano, até o prédio sede do Ministério Público de São Paulo (MPSP).

Além do tradicional escracho à ditadura, o Cordão da Mentira também abordou temas mais imediatos ao século XXI, como o Massacre do Carandiru, que completa 30 anos em 2022, e os movimentos de mães que tiveram filhos mortos por agentes do Estado.

O desfile começou com uma forte fala do padre Julio Lancelotti, discorrendo sobre as várias mentiras que são contadas pelo poder público e facilmente desmascaradas pela população que vive a realidade das ruas. O religioso também foi enfático ao dizer que é necessário resistir contra as inverdades que é no Brasil em diversos setores da sociedade, como na política e na economia.

“Esse é um ato de memória para que mentiras do passado não se repitam. Precisamos não só lembrar, mas lutar por aqueles que foram vítimas do estado”, lembrou Padre Júlio.

Padre Júlio Lancelotti | Foto: Daniel Arroyo

“Nós viemos lembrar os mortos do massacre na Casa de Detenção de São Paulo. São 30 anos e até hoje não acharam os culpados. Culpado foi quem morreu, porque não está aqui para se defender” disse o gestor ambiental Maurício Monteiro, sobrevivente do massacre policial.

Débora Silva, do movimento Mães de Maio, recordou que a série de assassinatos no estado de São Paulo em 2006, que fez com uma das vítimas o seu próprio filho e motivou a criação do grupo, matou mais gente em uma semana do que toda a ditadura militar durante 21 anos. “Naquele período quase 600 pessoas foram mortas pela Polícia Militar do estado de São Paulo”, apontou Débora. 

A militante também lembrou que durante o período de investigação dos crimes a promotora do Ministério Público paulista, Ana Maria Frigério Molinar, mentiu ao dizer que as mães que reivindicam a punição dos assassinos dos seus filhos iriam herdar os pontos de venda de entorpecentes deixados por traficantes mortos.

“Nossos filhos não deviam nada. Nem para o Estado, nem para o crime. […] Ela (a promotora) usou o nome das Mães de Maio covardemente falando que as mães denunciavam policiais que denunciavam o tráfico de drogas e que as mães teriam herdado as biqueiras dos seus filhos. Eu queria dizer para esse Ministério Público que nossos filhos eram trabalhadores empobrecidos”, declarou Débora Silva.

Maria Cristina Quirino |Foto: Daniel Arroyo

Um dos momentos mais emocionantes do ato foi a fala de Maria Cristina Quirino, mãe de Denys Henrique, morto aos 16 anos no Massacre de Paraisópolis, ocorrido em 1º de dezembro de 2019, quando policiais militares entraram na comunidade para parar um baile funk que acontecia na rua. Durante a investida policial, nove jovens morreram esmagados em uma viela da favela.

“Meu filho me foi entregue dentro de uma saco plástico, sem direito a enterro. Eu tenho que lutar para que a Justiça seja justa com a gente. Tudo que estão fazendo com a gente depois das mortes dos nossos filhos é muita injustiça. O sistema é podre. É uma cúpula podre que mata a gente dia após dia”, declarou a mãe de Denys Henrique.

Carregando a camiseta escolar rasgada e com marcas de sangue que o Estado que seu filho usava quando foi assassinado pela polícia, Bruna Silva, mãe de Marcos Vinícius, morto aos 14 anos em 2018 baleado pelas costas no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, ressaltou que a luta das mães são para que outras mulheres não chorem com a perda dos entes. “A gente não vai aceitar esse extermínio, essa matança que o Estado está fazendo com a autorização do Ministério Público”. O ato terminou debaixo de chuva, aplausos e luto, por volta das 20h40.

Correções

Uma versão anterior deste texto indicava que o Cordão da Mentira acontece no dia 1º de maio. Na verdade, ele é realizado no dia 1º de abril,dia da mentira e aniversário do golpe militar de 1964. A informação foi corrigida às 15h05 do dia 3/4/2022.

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